sábado, 31 de dezembro de 2011
Alguns bons filmes de 2011
Mas graças aos céus existe uma coisa chamada Internet.
Uma breve listinha com alguns dos melhores filmes do ano, dentre os que vi:
1. Drive, de Nicolas Winding Refn
Um filme violento, brutal, estiloso e inesquecível, em que Ryan Gosling faz um sujeito cool, fiel a seus quietos princípios, com um modo de viver tão nebuloso e cinzento que me lembrou o de Alain Delon, em O Samurai, obra-prima de Jean-Pierre Melville, além de seguir a tradição de O Estranho Sem Nome, de Don Siegel, em que Clint Eastwood encarnava um vingador implacável e mítico.
2. A Árvore da Vida, de Terrence Malick
Malick é o único diretor em atividade que pode ousar uma conexão com 2001: Uma Odisséia no Espaço, sem cair no ridículo. A Árvore da Vida é um filme exigente, denso, belo, poético, difícil e único. Centra-se no dia-a-dia de uma família americana nos anos 50, mas apenas se enraiza nesse contexto específico para retratar as ramificações da vida em seus ciclos universais de amor, nascimento, generosidade, medo, tristeza, alegria, prazer, dor, perda, morte e espiritualidade.
3. Meia-Noite em Paris, de Woody Allen
A nostalgia foi o sentimento predominante nos filmes de famosos cineastas norte-americanos. Mas ninguém soube equacioná-la melhor que Woody Allen, que lhe deu os tons de comédia e leveza necessários para lidar com um tema no minímo pertinente: o desconforto do homem contemporâneo com o tempo em que vive, o sentimento de pertencer a uma outra época, em que "as coisas seriam melhores", ou seja, romantismo escapista. Woody lida magicamente com a nostalgia e dribla-a, com sabedoria.
4. A Pele Que Habito, de Pedro Almodóvar
Almodóvar reinventou os seus temas ao abordar o gênero Horror e acabou criando algumas das cenas mais surpreendentes, e de tirar o fôlego, de toda a sua cinematografia.
5. Melancolia, de Lars Von Trier
Massacrado pela crítica após declarações polêmicas, e acusado de apenas repetir os passos de outros cineastas do extinto grupo Dogma, como o inesquecível Thomas Vitherbergh de Festa de Família, Lars Von Trier consegue, no entanto, o milagre de transformar em signos visuais objetivos o tormento puramente subjetivo da depressão. O efeito é dilacerante e desolador.
6. Contra o Tempo, de Duncan Jones
Ótimo exemplar de ficção científica que passou quase despercebido nos cinemas, com um enredo um tanto implausível (quase um episódio tirado da série televisiva Além da Imaginação), mas que é conduzido magnificamente por Duncan Jones (Lunar), além de contar com belos e eficientes efeitos visuais. Diversão garantida.
7. Contágio, de Steven Soderbergh
Outra ficção científica, mas esta em tom sóbrio, de documentário, mostrando os prováveis eventos que afetariam o mundo no caso de uma epidemia de gripe ainda mais fatal que a gripe espanhola, dizimando grande parte da humanidade e transformando a civilização atual num caos generalizado. Filme globalizado, com cenas anticlimáticas, sem ação, que prende a atenção do público a seus menores e precisos detalhes.
8. A Separação, de Asghar Farhadi
Soberbo filme iraniano, que mostra as dolorosas, imprevisíveis e enlouquecedoras consequências da separação de um casal. Ela quer ir para a Europa, para criar a filha num ambiente político e social menos opressivo, já ele pretende continuar no país para cuidar do pai, que está com o mal de Alzheimer. Ambos têm razões fortes e válidas, mas os fatos os colocam num choque de interesses, que acabará por envolvê-los e a todas as pessoas ao redor numa espiral crescente de conflitos, mentiras, desentendimentos, ressentimentos, acusações, sofrimento e perda de confiança.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Tributo Iconoclasta
O Tumblr Renato Era Chato publica tirinhas de humor que ironizam a "genialidade" das letras entoadas por Renato Russo, mostrando situações em que elas soam no mínimo inadequadas. Uma garantia de boas risadas para os fãs e para os detratores do Legião Urbana.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Livraço, livresco
Ótimo romance é o divertidíssimo Dublinesca, do escritor espanhol Enrique Vila-Matas. Irônico, alusivo, metaliterário, como todos os livros de Vila-Matas, Dublinesca é a história de um editor de livros que decide ir a Dublin com sua trupe de amigos no Bloomsday, para celebrar o que ele considera o funeral da era de Guttenberg, apostando no ocaso do livro impresso nesta nossa insurgente época de livros digitais.
O narrador é um sujeito que se sente sem papel a desempenhar após a venda de sua editora, e que fica tantas horas em frente ao computador que se compara a um hikikomori, o adolescente japonês obcecado por Internet, sem vida social, que fica anos a fio trancado num quarto.
Vila-Matas segue mais uma vez suas obsessões, temas, dilemas e leitmotivs, referindo-se às obras de inúmeros outros autores, sobretudo os irlandeses James Joyce e Samuel Beckett. É reflexivo e também em suas preferências cinematográficas como Spider, de David Cronenberg, ou musicais, como ao ouvir a bela "Just Like The Rain", de Richard Hawley.
Livro do ano. E talvez a obra-prima de Vila-Matas.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Cinema à Flor da Pele
A Pele Que Habito (2011), de Pedro Almodóvar, é um filme magnífico, cheio de reviravoltas, cenas perturbadoras e surpresas deliciosamente pervertidas. Além de ser o primeiro do diretor espanhol a se enquadrar no gênero Horror, um gênero ambíguo por excelência, que exige de seus melhores realizadores toques de humor e de kitsch (pensemos em Frankenstein, Dracula, O Lobisomem, A Múmia, etc).
Como o cinema almodovariano sempre transbordou de humor e de kitsch, A Pele Que Habito funciona como um híbrido de melodrama, comédia e suspense, bem ao estilo do diretor, contando uma história que envolve imagens e temas caros a inúmeros filmes que criam tensão nervosa: vingança, irmãos que se odeiam, desfiguramento por queimaduras, experimentos científicos torturantes, sequestros, suicídios, um cientista maluco, calabouços escuros, lençóis empapados de sangue, etc.
Há ainda os temas implícitos, como a dualidade sexual de todos nós, as questões de identidade e de gênero que acabam sendo embaralhadas e postas de cabeça para baixo pelo diretor.
Almodóvar orquestra todos esses temas como um maestro regendo uma partitura.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
O cinema que habito
Mas tudo que é chato tem sua exceção. Hoje rola a estreia do mais recente filme do enfant terrible Pedro Almodóvar, A Pele Que Habito (foto), com Antonio Banderas no papel perturbador de um cirurgião plástico maníaco, que concorre na categoria Melhor Filme Estrangeiro, e que será exibido por aqui no Cine Praia Grande. Oba Oba Oba. Acabou-se a tristeza!
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Então é Natal
Em matéria de cafonice natalina, nada supera a decoração da Praça Maria Aragão, aquela mesma rabiscada pelo arqui(tétrico) Oscar Niemeyer. Se o velhinho comunista não fosse vivo, provavelmente estaria revirando na cova com o atentado ao bom-senso dos nossos "decoradores".
Reparei hoje que lá no meio daquele deserto de concreto armado resolveram colocar uma casinha toda coberta de neve. Foi isso mesmo que vocês leram aqui: Apesar do sol implacável de 40 graus à sombra, temos neve nos enfeites natalinos da cidade. Incluindo uns bonecos de neve toscos que enfeitam constrangedoramente o local. E umas ovelhinhas plantadas na grama. Pensem num pavor. Qualquer decoração de shopping de periferia deve dar de dez a zero naquilo tudo.
Fora a árvore monstruosa (pesando 180 toneladas) - ali pertinho - que apesar do gigantismo parece uma colagem tosca de papel crepom.
Que horrível Natal a prefeitura de São Luís está desejando a todos nós, pobres nativos. Dá vontade de se entupir de sidra vagabunda durante a ceia, apagar, e só acordar no Ano Bom, pelamordedeus!
sábado, 10 de dezembro de 2011
Listinha
A Burrice Unânime que Passa por Cultura
Penso nisso tudo depois de uma postagem no blog do Tony Goes sobre uma das poucas outras unanimidades brasileiras, Fernanda Montenegro. Ela é, evidentemente, endeusada por pública e crítica como a primeira dama dos nossos palcos, e merece todas as glórias e salvas de palmas, penso, mas sempre há quem seja do contra. Lembro que, na minha já remota adolescência, conheci uma jovem estudante de cinema que considerava a atriz uma tremenda canastrona "sempre fazendo o papel de Fernanda Montenegro".
Lembro que suas opiniões cavaram uma espécie de abismo estético entre nós dois. Se Fernanda Montenegro não sabia representar, então quem entre nós, pobres tapuias, sabia? Até hoje eu busco que a performance de um ator ou atriz me responda isso. Acima de nós, só as estrelas, cantava Guilherme Arantes.
Sei que de canastronice em canastronice seguimos em frente, fazendo teatro, batendo bola, escrevendo blogs. Vivemos numa cultura atroz, de negação da grandeza, de grandes fracassos individuais e coletivos. Talvez a marca de nossa cultura seja a unanimidade do nosso fracasso. Não é uma mera questão de baixa auto-estima de uma nação, como tantos sociólogos martelam por aí, afirmando que nosso pessimismo seria a resultante da soma de nossas três raças tristes. Peço licença pra discordar. O economista John Kenneth Galbraith dizia que o pessimismo caracterizava a mentalidade superior, levando em conta o otimismo imbecilizante das maiorias.
Pessimista, a meu ver, é alguém que vive em perpétua perplexidade existencial. Nosso povo, carente de cidadania e de tudo o mais, é otimista como o dr. Pangloss, só enxergando até a ponta do próprio nariz e achando que vive no melhor dos mundos. Machado de Assis foi quem entendeu melhor os nossos sentimentos:
Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.
sábado, 3 de dezembro de 2011
Confissões do Segundo Andar
Por mais que o som da casa seja legal (e os Djs Jorge Choairy, Nivandro e Pedro Sobrinho são um trio inigualável, de longe figuram entre os melhores da ilha), o risco de discriminação e deselegância que se corre no local é muito grande. Na 2nd Floor, o atendimento é desigual: o dinheiro grita mais alto, e se você não for do clubinho, corre o risco de ser posto em seu devido lugar (a puta que o pariu) pelos filhotes da elite maranhense.
É a lei da selva. A única que existe por aqui.
Descomplicando as coisas
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Naftalina
Dá para notar que não sou, exatamente, compulsivo com roupas, como sou com livros e filmes. Aliás acho chato ter que escolhê-las nas lojas ou para sair. Não ligo a mínima para o assunto moda, embora aprecie o visual de pessoas elegantes. Sei que a maioria das pessoas prefere gastar dinheiro e tempo investindo em itens que ornamentam a vaidade pessoal. Mas eu chuto o balde. Não ligo para griffes badaladas e adoro camisetas básicas de algodão.
Lembro de um amigo radical, que amava tanto literatura, mas tanto, que deixava de comprar roupas, e às vezes até passava fome, só para poder comprar os últimos lançamentos literários. E de um outro amigo, seu oposto perfeito, que nunca tirou sequer carteira da biblioteca na universidade, e que tinha mais de 46 pares de calças jeans.
Francamente, não estou em nenhum desses dois extremos. Mas admiro quem tem paixão por suas próprias obsessões, ainda que consumistas. O importante, ainda que não exista felicidade, é se sentir feliz por alguns instantes. Como roupas novas fazem a alegria de muita gente, vai ver nasci para ser nudista.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Sagas Aborrescentes
Em vez de me entregar aos prazeres sestrosos da preguiça e do dolce far niente, geralmente decido sair, pegar um cineminha, como se diz. É mania minha.
Mas hoje isso não rolou. Bastou uma espiada na programação do Box. Simplesmente seis salas estão passando a patacoada Amanhecer, o mais novo capítulo da saga teen Crepúsculo, em que vampiros e lobisomens bonitões – e solteiros – cortejam uma Kristen Stewart muito da sem sal.
Poupem-me.
O diretor desta vez é Bill Condon, que nos deu antes o memorável "Deuses e Monstros", drama em que um sempre sublime Sir Ian McKellen interpretava o cineasta aposentado (e homossexual assumido) James Whale, criador dos clássicos "Frankenstein" e "A Noiva de Frankenstein" (continuação superior ao original, um feito raro).
Curioso é perceber a lógica do cinemão americano. Depois de "Deuses e Monstros", filme em que Brendan Fraser fazia um papel sexy, caracterizado como o monstro de Frankenstein, Hollywood escala a mão segura do diretor Bill Condon para levar às telas os vampiros e lobisomens gostosões, num filme que pretende ser o arrasa-quarteirão do ano.
Só falta um autor brasileiro escrever uma saga bem pastosa, similar à de Crepúsculo, adaptando-a, devidamente, às nossas lendas, sotaques interioranos, malandragem, samba no pé e malemolência. Imagino o filme logo em seguida, que mostraria a vida numa pacata cidadezinha do interior (Pindamonhangaba, por exemplo) em que o Curupira (Cauã Raymond) e o Saci-Pererê (Lázaro Ramos) se apaixonassem por uma moça bem chatinha (Sandy), dessas que não soltam o celular nunca.
Cadê o Paulo Coelho, que ainda não escreveu isso?
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Filmes, Cores e Preconceitos
Passei a seguinte proposta de redação para os meus alunos: escrever sobre o seu filme favorito.
As escolhas deles geralmente recaem sobre (bons) filmes mais ou menos recentes: Titanic (1997), O Perfume - História de Um Assassino (2006), Um Amor Para Recordar (2002), O Cavaleiro das Trevas (2008). Mas noto uma certa resistência e até mesmo preconceito, da parte deles, de assistirem filmes clássicos, em preto-e-branco.
Em primeiro lugar: o preto-e-branco. Haverá coisa melhor em fotografia cinematográfica que o jogo de luz e sombra dos filmes noir, inspirada no expressionismo alemão? Eu amo incontáveis filmes clássicos em preto-e-branco como O Terceiro Homem, Psicose, Os Boas Vidas, Nosferatu, O Mensageiro do Diabo, Cidadão Kane, A Sombra de Uma Dúvida, A Palavra, Através do Espelho, O Homem Elefante, etc. Privar-se de tais filmes é privar-se da arte do cinema.
Eu amo igualmente certos filmes recentes que adotam com muita beleza e maestria a fotografia PB: Control (2007), Sin City (2005) ou A Fita Branca (2009).
Não poderia deixar de mencionar um filme que extrai sua extraordinária poesia justamente do contraste entre a fotografia PB e a cores: A Vida em Preto e Branco (1998).
Não consigo entender pessoas que têm preconceitos de cor, mesmo que seus preconceitos se limitem a filmes.
Os alunos aproveitaram para me perguntar qual o meu filme favorito. Os anos passam, mas o mais impressionante dos filmes continua sendo o estupendo Magnolia (1999), de Paul Thomas Anderson.
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Nikita - Criada Para Matar
Finalmente lançado em DVD no país, o charmoso e sexy Nikita(1990), filme cultuado de Luc Besson. O filme tem, reconheço, uma trama pra lá de implausível, mas mesmo sendo meio absurdinha, esta não incomoda nem um pouco a quem o assiste, sempre com grande prazer, como eu. Para mim Nikita funciona meio como uma história de Cinderela. Basta trocar os sapatinhos de cristal que a mocinha ganha de presente da fada-madrinha por pistolas com silenciadores.
O filme inicia mostrando-nos uma quadrilha de drogados agindo nas ruas, e entre eles, uma Anne Parillaud tinhosa como um demônio. A quadrilha é toda dizimada em confronto com a polícia francesa, menos Anne, que é capturada, julgada, condenada, e oficialmente declarada morta. Então ela passa anos sendo treinada em segredo para se tornar uma assassina eficientíssima. Ela recebe além disso dicas de maquiagem e elegância de ninguém menos que a lenda Jeanne Moreau, numa cena comovente, em que vamos vendo o desabrochar de uma bela mulher.
Este foi um dos filmes mais legais que assisti em meados dos anos 90. Era tão bom que acabou inspirando um remake hollywoodiano (A Assassina, péssimo) e também uma minissérie de televisão. Mas nada se compara ao charme e à sedução do filme original.
Quem nunca viu, que não o perca agora.
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
A Morte da Leitura
Para concluir o ano letivo, passei uma tarefa bem prosaica para os meus alunos: ler alguns contos de renomados escritores brasileiros (Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, etc), contos a partir dos quais eles deveriam fazer uma apresentação.
Pois bem. Os meus alunos adolescentes (do Turno Vespertino) desencumbiram de forma hilária a tarefa, apresentando um dos contos sugeridos (Canibal, do Moacyr Scliar) em formato de peça teatral. Dois alunos surdos-mudos chegaram até a se fantasiar de mulher para fazer seus papéis. Percebi que muitos alunos da turma estavam excitadíssimos com o trabalho. Mas quando eu pedia para eles explicarem o que entenderam do texto lido, eles embatucavam.
Já os alunos da noite, que são todos adultos, diga-se... nem sentiram vontade de ler os contos. Com a honrosa exceção de um aluno, os demais não se dignaram a ler e ainda reclamavam, dizendo que ler cinco páginas de texto era demais: uma tarefa impossível.
Avisei-lhes que o meu livro favorito - Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust - tinha 3.300 páginas. Isso não me impediu de ler o livro inteiro, três vezes. Eles disseram: "Ah, mas o senhor é inteligente" e "Mas o senhor é professor", como se somente eu fosse "inteligente", ou como se só professores fossem capazes de ler.
Não se trata aqui da morte da leitura, simplesmente, tão anunciada aos quatro ventos nestes tempos de Internet e de predomínio do audiovisual. O que presencio todos os dias naquela sala de alunos adultos desmotivados é algo ainda mais grave: a absoluta degradação da nossa educação... e da nossa língua.
Sim, a língua que nos confere unidade e identidade cultural tem se tornado ela mesma fator de exclusão. Fico abismado com a falta de leitura das pessoas e suas justificativas absurdas para não lerem. "Ler demais deixa as pessoas doidas", este é o consenso e o veredito entre meus alunos. E tantos pensam assim que deve ser um lugar-comum entre milhões de brasileiros analfabetos ou semiletrados. A decadência de uma língua - escrita ou oral - marca a decadência de um povo. Portanto, a estagnação da linguagem oral e escrita entre estudantes maranhenses é mais um sintoma da estagnação política, econômica e social de nosso estado.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Sentando nas obras de arte
Em São Paulo atualmente tem uma mostra fazendo uma retrospectiva dos trabalhos de design e decoração dos Irmãos Campana. As cadeiras, mesas de centro, poltronas e outros badulaques da dupla sempre me parecem impraticáveis, mas realmente são muito chamativos. Os badalados designers têm "um olhar lúdico", se é que vocês me entendem. Fazem todos os móveis parecerem coisa de criança se divertindo.
sábado, 5 de novembro de 2011
You Go, Girl
Sábado de preguiça e um pouco de chuva. Para compensar, uma canção pra cima e bem ensolarada.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Sessão Antes Tarde do Que Nunca
É imperdoável que só agora eu tenha assistido ao belo "Café da Manhã em Plutão", de Neil Jordan. O filme é de 2005! Ou seja, já tem uma eternidade. Vocês talvez se recordem que 2005 foi rotulado como o "ano gay" do Oscar, porque vários filmes de temáticas LGBT como O Segredo de Brokeback Mountain, Transamerica, concorriam a estatuetas. (Se não me engano quem abocanhou o Oscar de melhor filme nesse ano foi o chatérrimo Crash - No Limite). Pois bem, em Café da Manhã em Plutão, o ator Cillian Murphy desempenha de modo sublime, ora engraçado ora comovente. Várias cenas do filme fazem rir. Outras me fazem verter lágrimas. Algumas vezes as duas coisas aconteciam juntas... Uma performance única e imperdível. Assistam ontem!
Um cd só para os Björkófilos
"Biophilia"(2011) é o título do novo álbum de Björk (faço questão de pôr os pingos no o dessa cantora islandesa, afinal o pobre trema foi aposentado para as palavrinhas e palavrões da nossa própria língua e só o reutilizaremos em ocasiões como essa). Mas este novo cd não soa assim tão novo. É estranho pra caramba, e os modernos de plantão dirão que "é ousado". Exatamente como os últimos discos dela. Só que é muita "ousadia" para o meu gosto. Depois que a última música acaba, dá aquela certeza de que não vou ouvir novamente tão cedo...
Ou seja, é mais um osso duro de mastigar, tipo o "Medúlla"(2004). E é chato ter que dizer isso de uma cantora que não se acomoda com o sucesso e vive se reinventando e à sua carreira, mas é fato: o grande disco de Björk continua sendo até hoje o primeiro: o mágico "Debut" (1993), embora os dois seguintes, "Post" (1995) e "Homogenic" (1997) também sejam álbuns brilhantes. O deliciosamente esquisito "Vespertine" (2001) é a trilha sonora perfeita para um namoro. Isto é, se o seu namorado for artista performático. Ou um alienígena.
Às vezes, como fã antigo (desde quando os Sugarcubes surgiram no mapa), dá vontade de pedir à cantora que largue as invencionices de mão e grave um disco sem tantas frescuras e modernidades. Mas isso deve soar como sacrilégio para os fãs roxos da diva. Podem ter certeza: se você não for um deles, dificilmente se apaixonará por esse "Biophilia".
Cidadã Kate
Dia desses encontrei um amigo que não via faz um tempão. Foi na entrada dum cinema. Começamos a falar de filmes e dei grande atenção às suas dicas (ele sempre dá ótimas dicas de filmes e discos). Confessou-me fazer download de tudo quanto é filme pela Internet. (Eu não faço, e hoje devo ser muito antiquado, pois ainda compro DVDs e Blu-Rays!)
A conversa num piscar de olhos enveredou para o universo das séries americanas. Aí perguntei se ele acompanhou a série Mildred Pierce, dirigida por Todd Haynes, com a atriz Kate Winslet. E ele, para minha surpresa, disse o seguinte:
"Odeio a Kate Winslet. Acho ela feia, gorda e chata. Por mim, ela devia ter morrido e afundado junto com o Titanic!"
Ri muito, na hora. Mas achei um comentário muito radical. E um bocado injusto. Em primeiro lugar, não acho Kate Winslet feia. Talvez não seja linda. Mas toda atriz tem de parecer uma top model? Beth Davis certamente não encaixava muito no padrão hollywoodiano de beleza. Mas, e daí? Ajeitadinha, com a maquiagem, as roupas e o corte adequados Kate sempre fica muito agradável aos olhos. Pensem na presidente Dilma, que não tem personal stylist que dê jeito. Kate pode ter uma beleza meio rotineira para muita gente, mas eu não acho. Sou acostumado a ver gente tão monstruosa no meu cotidiano que um rosto como o de Kate é um colírio para olhos aflitos.
Gorda? Não mesmo. E, ainda que fosse, estar com alguns quilinhos a mais (o que não é o caso) é algo perfeitamente normal. Já a anorexia nervosa - como no caso dessas modelos famélicas de hoje - é uma doença, e muitas vezes, fatal. Por sinal, dizer que uma mulher "é ou está gorda" é considerada uma das piores ofensas possíveis hoje. Por quê?
Tanta obsessão pela magreza faz com que as atrizes perambulem como esqueletinhos do Halloween nos filmes de Hollywood (Ontem vi o bom A Troca, com Angelina Jolie e fiquei assustado, a atriz estava só osso e beiço no filme). Muitos gordos devem se sentir vítimas de bullying quando esses chatonildos de plantão insistem em ensinar na TV "como levar uma vida melhor e mais saudável". Bom, pra começar, podiam desligar a televisão.
Aliás, quem estava meio rechonchudinho era o meu amigo que odeia a Kate Winslet. Mas TUDO BEM.
Kate, chata? Eu devia ter perguntado: na vida real ou nos filmes? Em qualquer lugar? Não sei se ele tem acesso à vida pessoal da atriz para saber quão chata ela é no dia-a-dia. Na ficção, tudo bem, há personagens que realmente são muito chatos. Filmes inteiros que são chatos. Não acho que seja o caso da atriz, que sempre soube fazer boas escolhas, começando pelo magnífico Almas Gêmeas. Tudo bem, Titanic, com aquela música xarope da Celine Dion (essa sim uma chata de galochas) não é um programa agradável para muita gente (danem-se, eu gosto!). Mas Kate está soberba enquanto o resto do elenco vai submergindo, e igualmente admirável em filmes como Hamlet, Pecados Íntimos, Foi Apenas Um Sonho, a minissérie Mildred Pierce, etc. Falta vê-la em Contágio (que amanhã pretendo assistir).
Esse meu amigo às vezes costuma voltar atrás em suas opiniões. Lembro de uma vez em que deixei de comprar um cd que achei numa loja, pois ele criticou sem dó o mesmo. Anos depois falei sobre esse mesmo disco, e ele me confessou que o adorava. Que era um dos melhores da banda (Jesus and Mary Chain, o cd se chamava Automatic). Portanto...
Gostos e Desgostos
Ok. Como aqui no meu "Estranho Mundo" nunca fiz nada parecido, para não perder o bonde darei início a uma série de posts ao estilo "gosto/não gosto". Começando por um dos meus assuntos favoritos: livros. Primeiro os que me irritam muito.
NÃO GOSTO DE LIVROS:
01. de auto-ajuda (que, acredito, só ajudam mesmo os seus autores, que enriquecem com a venda dos tais. Esse tipo de livro sempre me cheira a auto-engano, afinal somos todos adultos e aprendemos que não existe Papai Noel, nem Coelhinho da Páscoa, nem pote de ouro no fim do arco-íris);
02. didáticos de língua portuguesa (pois, como professor, reparo que quase todas as publicações das editoras voltadas para o ensino médio pecam pelo excesso de informação visual. É tanta poluição de imagem, fotografia, tirinha, desenho, e não-sei-mais-o-quê, que o texto e a reflexão que ele desperta deixam de ser substanciais para se tornarem detalhes, meros acessórios muitas vezes dispensados pelos alunos);
03. best-sellers em geral (lixo pré-fabricado segundo fórmulas ridículas);
04. livros religiosos em geral (é melhor nem comentar para não ser acusado de intolerante);
05. livros simplesmente mal escritos (e aqui eu incluiria uma gama quase infinita de autores, encabeçada pelo emblemático Paulo Coelho, cuja ruindade e pobreza de estilo são notórios);
06. livros policiais e de mistério (que só leitores triviais levam a sério);
07. biografias de celebridades (alguém me explica o fato do tal do Justin Bieber já possuir uma biografia?);
08. romances água-com-açúcar (Há a variação Sidney Sheldom da coisa. Aqueles que são piegas mas acrescentam uma pitada generosa de sexo, ganância, suspense e crime, mas que ainda assim continuam intragáveis, não passam de roteirões de telenovelas);
09. romances regionalistas com fortes doses de realismo fantástico (uma receita indigesta seguida à risca pelo literato e presidente do Senado José Sarney. Melhor sair gritando por socorro);
10. livros escritos por blogueiros (Afinal, Bruna Surfistinha não é, definitivamente, uma nova Lígia Fagundes Telles).
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
A Cozinha Nada Maravilhosa de Jeanne
Hoje finalmente criei coragem e assisti às três horas e 12 minutos de um dos filmes mais desafiantes dos anos setenta, "Jeanne Dielman" (Jeanne Dielman 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles), da diretora feminista Chantal Akerman.
O cotidiano de Jeanne (Delphine Seyrig), uma dona-de-casa que fica se ocupando com tarefas que ninguém merece o dia todo, é enfadonho: ela prepara o jantar para um filho adolescente, faz compras, vigia o filho dos vizinhos (talvez o bebê mais abominável já mostrado pelo cinema) e ganha alguns trocados como prostituta ocasional. Tudo isso quase sem diálogos.
Perto da secura e do vazio existencial dessa senhora até mesmo a minha vidinha de professor parece uma montanha-russa de emoções extremas.
O filme é absolutamente frio e rigoroso ao enfocar a vida sufocante e tediosa de uma mulher que cumpre alienada e silenciosamente as tarefas domésticas. Não há qualquer possibilidade de sonho, amor ou prazer que transcenda uma existência tão medíocre e tão previsível, o que talvez desencadeie a inesperada e impressionante reação de Jeanne, perto da sequência final.
Não é filme para qualquer um. Só os amantes mais pacientes da sétima arte não vão emitir uivos dolorosos quando Jeanne mergulhar nas tarefas repetitivas do seu terceiro dia sempre-o-mesmo. Até quem se maravilha com o andar arrastado dos filmes de Tarkóvski corre o risco de ficar desesperado assistindo a este filme singular, lançado aqui (em bela cópia remasterizada) pela Lume.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Psicanálise musical
Banda que não canso de ouvir, o Music Go Music é uma espécie de Blondie assumido com um leve complexo de Abba.
Este blog é uma rede anti-social
O grande feito da última prova do Enem, na minha opinião, foi dar maior visibilidade ao trabalho do André Dahmer, o genial e ácido humorista que publica as impagáveis tiras dos Malvados.
sábado, 22 de outubro de 2011
Jogo dos Sete Erros
Tanto o pôster do último filme de Woody Allen, "Meia-Noite em Paris" (2011), quanto o de "Contra o Tempo" (2011), de Duncan Jones (filho de David Bowie e cineasta talentoso) pretendem insinuar viagens no tempo. Ambos apresentam o seu respectivo protagonista sozinho, entre imagens de fundo que sugerem as tais viagens no tempo.
As principais diferenças dos pôsteres? Owen Wilson passeia descontraído em Paris, com a mão no bolso, pois no seu filme a ideia de viajar ao passado é algo encantador e revigorante. Já Jake Gyllenhaal corre nervosamente por uma espécie de limbo desértico. Em seu filme as viagens ao passado são como um pesadelo recorrente. O primeiro pôster é sereno, mostra as cores de uma noite estrelada de Van Gogh. O segundo é tenso, explosivo, e em preto e branco.
Gostei muito dos dois.
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Perguntar não ofende?
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Chico Buar...Quem?
Risos.
Para quem nunca ouviu falar, é o tiozinho aí embaixo. Ele não sabe muito bem o que é a Internet, mas já sentiu na pele o que é o troço.
sábado, 8 de outubro de 2011
A Volta
Outra que está lançando disco novo (após um longo intervalo sem gravar) é a adorável Feist.
Nos últimos tempos, ela andava ocupada demais com a banda indie canadense Broken Social Scene, da qual é integrante.
Fazia tempo que os admiradores não sentiam o gostinho de uma música solo. Acessando o site listentofeist.com dá para ouvir quatro faixas do novo álbum, intitulado "Metals". Basta cadastrar seu e-mail, esperar uma mensagem e depois curtir a voz rouca da moça.
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
MGMT e os darks
Aqui vai a magnífica versão original, com sua estranhíssima letra:
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Diga-me
O jornalista H. L. Mencken, famoso pela ironia e pela franqueza, por sua vez, escreveu: "Diga-me o que um homem faz para ganhar a vida e eu te direi quem ele é".
Certo, mas nem tanto. Os tempos são bem outros. Ninguém mais consegue adivinhar como é a personalidade do outro baseando-se apenas em generalidades, como o círculo social que fulano frequenta, ou o seu ganha-pão.
Neguinho tem que pensar é nas particularidades: "Diga-me qual é o ringtone do sujeito, e eu te direi quem ele é".
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
Cinderela Lisérgica
Uma colaboração tão inusitada quanto enigmática. O universo de Dali é suavizado pelo estilo Disney. Mas só um pouco. O resultado mostra uma história de desejo e amor irrealizados, através de imagens bem alucinógenas. Acho que os estúdios Disney pecaram em algumas cenas pelo excesso de facilidades por computação gráfica. Mas apesar disso o filme é bonito.
Água de Pedra
Em meu sono sonoro, eu sou uma pedra
alta, concisa.
Minhas palavras esvoaçam
como aves infinitas.
Meu mito é o silêncio,
O mar verde
De onde o pensamento retira
peixes definitivos.
Em minha música, eu sou
um girassol
fincado no meio-dia.
Minha fulminante natureza de palavra
acende os incêndios da voz.
Eu sou a convergência do fogo
em pensamentos altos,
maleáveis.
Em minha alucinação, eu sou um híbrido de deus e cavalo
Ambos feridos de morte. Minhas palavras celestiais cavalgam
horizontes rubros.
Pertenço à natureza imemorial
de pensamentos definitivos como falos,
espadas,
pedras tumulares.
Em minha imobilidade, eu sou uma árvore
de seiva triste e raízes concisas.
As minhas palavras são brotos
de natureza solar, na plenitude
de uma tarde de verão,
entre cítaras e cigarras.
Nos dedos definitivos
Nasce e morre a flor
do poema.
Em meu fulcro de flor e medo, sedento,
Eu sou um homem.
Estes signos inquebráveis são os delíquios
Rubros
Da minha safra, cifra de treva com pressa,
pulsar de estrelas definidas:
As palavras em chamas que ostento
Ainda doem
Em minhas unhas.
Em meu sopro final, eu sou a água
Extraída da pedra, os póstumos
desejos do morto de sede.
As palavras
Que escavo de sonho
em sonho e que me despertam.
Minha natureza é este rio
Rubro e definitivo.
Um fio
de timbres entre os ruídos
do tempo.
Sandro Fortes, 05/10/2011
terça-feira, 4 de outubro de 2011
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Aquisições
Domingo recebi o soldo e fui às compras. Uma breve passada pela Nobel "só para espiar". Mas para mim é impossível resistir à tentação dos títulos da Companhia das Letras:
"Meus Prêmios", por exemplo, é obra publicada postumamente, mas, como sempre, irônica, hilária, venenosa, intoxicante, de Thomas Bernhard.
Outro, imperdível, e irretocável, é "O Caminho Para Wigan Pier", de George Orwell. Orwell é um mestre genial, seja no relato das diferenças de classes inglesas, seja no ensaísmo contundente.
Tem um novo do Michael Cunninghan (autor de "As Horas"). Chama-se "Ao Anoitecer". Mas achei o começo meio bunda-mole.
Comprei também "Herzog", de Saul Bellow. Tudo de Bellow me fascina. "As Aventuras de Augie March" é um dos mais cativantes romances já escritos por um norte-americano. Como são cheios de vitalidade os personagens de Bellow. "Herzog", leio de uma orelhada, é o intelectual brilhante, bonitão, papa-todas. Ele casa, aí vira corno, padece o pão amassado pelo diabo. O livro abre com as seguintes palavras: "Se estou louco, tudo bem para mim...".
Phillip Roth também veio na sacola. O livro se chama "Nêmesis". É hipnótico, como tudo que Roth escreve. Ele é um dos dois maiores autores americanos vivos (O outro é Cormac McCarthy). Trata, como todos os últimos livros de Roth, de uma narrativa que envolve judeus de Newark, mas cujo tema principal é a proximidade e a inevitabilidade da morte.
Isso aí. Com tantas leituras finas dá para apreciar este comecinho de outubro.
domingo, 2 de outubro de 2011
Bossa
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
The Sound of Silence
O resto é silêncio, como dizia aquele famigerado príncipe da Dinamarca, onde havia qualquer coisa de podre. A Dinamarca era uma espécie de Brasília para Shakespeare.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Michael Jackson de Assis
E não é que a Caixa conseguiu o milagre de branquear o "Bruxo"? Não entendi nada: o homem sofria de epilepsia ou de vitiligo?
Choques culturais
O filme era a A Montanha Sagrada. Fiquei tão abismado por aquelas imagens bizarras, sinistras, simbólicas, surreais, que corri e comprei o DVD. Depois eu vi El Topo. Por último, Santa Sangre. E a minha vida de cinéfilo nunca mais foi a mesma.
Para vocês sentirem o drama, um fragmento de Fando Y Lis (1970):
domingo, 18 de setembro de 2011
Schadenfreude
Um miúdo exemplo. Na semana passada, na escola pública onde trabalho, a vice-diretora me contou em plena sala de aula que um garoto, na quadra esportiva, apanhou um pedaço de pau e com ele atingiu a cabeça de uma garota, que foi levada, toda suja de sangue, às pressas para o hospital.
A reação de muitos outros alunos? Riam deliciados. Como se o sofrimento e o sangue alheios fossem as coisas mais divertidas do mundo.
Schadenfreude, portanto. Sentimento cruel, tão conhecido que chega a ser corriqueiro e banal, como a própria vida humana, nos corredores das escolas públicas maranhenses.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Seco e Áspero Lirismo
Outro filme, e brasileiro: Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009). Esse sim, magnífico. Um milagre. Eu não sabia quase nada sobre o filme, só tinha lido aqui ou ali comentários elogiosos. Vi no Canal Brasil e fiquei perplexo. De queixo caído. Os dois cineastas que assinam Viajo... são os responsáveis por alguns dos melhores e mais interessantes filmes brasileiros recentes: O Céu de Suely e Madame Satã (de Karim Ainouz) e Cinema, Aspirinas e Urubus (de Marcelo Gomes).
O filme mexe com algo indizivelmente nordestino. Mostra-nos pessoas e locais típicos de uma região desolada e desoladora, como que esquecida por Deus e pelos homens, mas de forma sutil, apenas sugerindo coisas, colando imagens e depoimentos que se não me engano são sobras de um outro filme. O resultado final se revela um experimento genuíno. O filme tem um formato que lembra uma espécie de... blog, de diário. O efeito que provoca em quem o vê é assombroso.
A trama é só um fiapo. José Renato é um geólogo que faz uma longa viagem a trabalho, pela região árida do sertão, e é comovente ver como a sua narrativa, a princípio fria, profissional, vai degringolando, virando uma confissão em tom de dor-de-cotovelo (ao som das músicas bregas que tocam no rádio). Sua angústia vai se derramando gota a gota, melancólica e rarefeita como um chuvisco. E o filme se dá todo assim, de uma forma leve, delicadamente afetiva e aflitiva. Sentimos que é o nosso próprio olhar sentimental que permeia todas aquelas imagens demoradas, quase de sonho.
Mal dá para acreditar num filme desses. Um road movie pelos confins do mundo. O sertão é ríspida ou lindamente captado por imagens digitais, ou em Super 8, ou através de fotos, todas fortemente poéticas. O protagonista? Sequer o vemos. Apenas ouvimos aqui e ali os seus comentários em off. Ele levou um pé na bunda e não para de pensar e falar sobre sua ex. Os dias que faltam para sua viagem terminar se arrastam. A própria duração de cada imagem mostrada tem um ritmo mais lento. É um tipo de cinema que partilha aquele mesmo olhar lírico, capaz de desnudar paisagens intimistas, mostrado em India Song (1975), o agridoce e mítico filme de Marguerite Duras.
Assistam. Viajo... é um filme raro, único. Dá uma vontade comovida de aplaudir quando termina. Ser brasileiro tantas vezes nos enche de ceticismo, tal a canalhice dos políticos, a omissão da justiça, a exclusão do povo. Aí vem um filme surpreendente desses, que faz a gente olhar para um Brasil primitivo, esquecido, totalmente à margem, e ainda por cima nos emociona. É simplesmente mágico.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Tirando o atraso
Finalmente me dei ao trabalho de assistir ao famigerado Tropa de Elite (2007), de José Padilha. Foi bom poder analisar o filme só agora, quando já baixou a poeira. O hype criado em torno chegou nas estratosferas, dado o sucesso popular do filme. Vamos relembrar a recepção crítica da época. Muita gente boa criticou. Muitos aplaudiram de pé. Houve quem dissesse que era um filme fascista. Houve quem negasse de pé junto. O filme ganhou fama e prêmios, foi extremamente pirateado (e já que o dvd pirata financia o tráfico em nosso país, a pirataria de um filme antitráfico é uma grande contradição tipicamente brasileira) e já ganhou continuação.
O filme é narrado em off pelo Capitão Nascimento (Wagner Moura). Antes não fosse. A narração em off toma partido e justifica ações duvidosíssimas. Se a intenção era fazer um retrato realista da vida de um policial do BOPE, deviam focalizar as coisas mais objetivamente, deixar as imagens falarem por si mesmas. O filme é subjetivo e parcial. É um filme fascista. Repleto de ideias fascistas. Defende práticas policiais como a tortura e o assassinato. Decide fazer uma faxina moral e social através das armas. Tem horror ao discurso dos intelectuais e dos universitários. É antipacifista. É belicista, militarista. Trata-se de uma obra incômoda, uma verdadeira batata quente, como "O Triunfo da Vontade", de Leni Riefenstahl (que está muito longe de ser um dos meus filmes favoritos).
Conheci um sujeito na universidade que se dizia fascista. Figurinha que defendia a "purificação", a limpeza da sociedade. Num país paradoxal como o Brasil, e miscigenado, difícil é definir o que seria essa tal pureza. Tropa de Elite mostra uma polícia que existe para proteger... a própria polícia. De quem? Do sistema corrupto. Essa é toda a pureza que prega o filme, com um tom retórico, de quem discursa e julga, sabendo quais são os males do Brasil e como resolvê-los. Na base do cacete e do pau puro. Com estratégia de guerra. Alguém se lembra de outros filmes fascistas como Rambo e Perseguidor Implacável? Não eram sobre outra coisa.
Há fãs que vertem tratados pseudos para dizer que o filme não é fascista porque não se encaixa esteticamente nos moldes originais da coisa. Quá. Quá. Quá. Querem que Tropa de Elite seja Futurista? Mostre-me qualquer grupo que mereça ser eliminado, massacrado por uma "elite" e já estamos no território de Mussolini, Hitler, George W. Bush...
O fascismo já vem embutido no próprio título do filme.
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Tabletes
Quer dizer, o povo consumista pode até comprar o tal iPad. Mas vai usar para quê? Pra bater fotos e postá-las no Facebook, claro. Francamente, acho mais divertido jogar biriba. Quem nunca teve um cérebro agora tem milhares de cérebros eletrônicos em rede, todos empregando o mesmo tatibitati infantil como vocabulário: "blz, vlw, bj, rsrs"...
domingo, 11 de setembro de 2011
Releituras
Quando se fala em George Orwell, sempre são citados os sombrios universos de 1984 ou de A Revolução dos Bichos. Mas, para mim, as obras-primas do autor são bem outras: "Na Pior em Paris e Londres" (1933) e a coleção de ensaios "Dentro da Baleia" (1940), neles não há nada sequer parecido com as alegorias políticas que fizeram a fama de Orwell. São livros de relatos agudos, precisos, dotados de uma veracidade nua e uma objetividade descritiva insuperáveis.