sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Seco e Áspero Lirismo


Outro filme, e brasileiro: Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009). Esse sim, magnífico. Um milagre. Eu não sabia quase nada sobre o filme, só tinha lido aqui ou ali comentários elogiosos. Vi no Canal Brasil e fiquei perplexo. De queixo caído. Os dois cineastas que assinam Viajo... são os responsáveis por alguns dos melhores e mais interessantes filmes brasileiros recentes: O Céu de Suely e Madame Satã (de Karim Ainouz) e Cinema, Aspirinas e Urubus (de Marcelo Gomes).

O filme mexe com algo indizivelmente nordestino. Mostra-nos pessoas e locais típicos de uma região desolada e desoladora, como que esquecida por Deus e pelos homens, mas de forma sutil, apenas sugerindo coisas, colando imagens e depoimentos que se não me engano são sobras de um outro filme. O resultado final se revela um experimento genuíno. O filme tem um formato que lembra uma espécie de... blog, de diário. O efeito que provoca em quem o vê é assombroso.

A trama é só um fiapo. José Renato é um geólogo que faz uma longa viagem a trabalho, pela região árida do sertão, e é comovente ver como a sua narrativa, a princípio fria, profissional, vai degringolando, virando uma confissão em tom de dor-de-cotovelo (ao som das músicas bregas que tocam no rádio). Sua angústia vai se derramando gota a gota, melancólica e rarefeita como um chuvisco. E o filme se dá todo assim, de uma forma leve, delicadamente afetiva e aflitiva. Sentimos que é o nosso próprio olhar sentimental que permeia todas aquelas imagens demoradas, quase de sonho.

Mal dá para acreditar num filme desses. Um road movie pelos confins do mundo. O sertão é ríspida ou lindamente captado por imagens digitais, ou em Super 8, ou através de fotos, todas fortemente poéticas. O protagonista? Sequer o vemos. Apenas ouvimos aqui e ali os seus comentários em off. Ele levou um pé na bunda e não para de pensar e falar sobre sua ex. Os dias que faltam para sua viagem terminar se arrastam. A própria duração de cada imagem mostrada tem um ritmo mais lento. É um tipo de cinema que partilha aquele mesmo olhar lírico, capaz de desnudar paisagens intimistas, mostrado em India Song (1975), o agridoce e mítico filme de Marguerite Duras.

Assistam. Viajo... é um filme raro, único. Dá uma vontade comovida de aplaudir quando termina. Ser brasileiro tantas vezes nos enche de ceticismo, tal a canalhice dos políticos, a omissão da justiça, a exclusão do povo. Aí vem um filme surpreendente desses, que faz a gente olhar para um Brasil primitivo, esquecido, totalmente à margem, e ainda por cima nos emociona. É simplesmente mágico.

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