sexta-feira, 22 de junho de 2012

Horrores

As pessoas que reclamam da ênfase no horror nojento na segunda metade de Prometheus, de Ridley Scott, esquecem do mito grego, muito mais horripilante, em que o bravo e heroico Prometeu, que ousara subir ao Olimpo para roubar o fogo divino, acabava cruelmente aprisionado por Zeus a um rochedo, tendo o fígado bicado por um abutre durante toda a eternidade. Os antigos mitos são narrativas poderosas que descem ao fundo abismo de nossos medos e anseios ancestrais. O cinema, criador de mitologias modernas, só de vez em quando sai das superfícies ou pega emprestada alguma chama.

Preto e Branco

Tem muito crítico no Brasil que mal disfarça a inveja de quem dirige filmes. Opinando sobre um filme novo do ótimo Cláudio Assis, um da Folha reclama até da opção por preto e branco. Segundo o rapaz, o filme devia ser colorido. Quer dizer que o autor-diretor nem pode optar pela fotografia que lhe parecer mais adequada ou expressiva? Como amante de filmes preto e branco, considero esse tipo de "crítica" de uma ruindade tacanha e reveladora de um infantilismo assustador. Quem garante ao crítico que foi a premiação em Cannes de "A Fita Branca" que influenciou o cineasta brasileiro e não os milhares de clássicos em Pb da sétima arte?

terça-feira, 19 de junho de 2012

Frase

"Nunca frequentaria um clube que me aceitasse como sócio". (Woody Allen)

Prosador

Geraldo Iensen em Sêpsis, uma novela, ou nos seus contos de "O Legado de Torres", escreve sobre a província com o olhar de um estrangeiro fascinado com os índios que nós, ludovicenses, de fato, somos, descrevendo nossos costumes primitivos aqui na vidinha da taba. Também tem uma ironia sádica contra seus supostos pares (ou ímpares?) literários, especialmente os que padecem de muito bovarismo e mediocridade. Sua linguagem, no entanto, não está interessada em experimentalismos, não busca explorar os recursos modernistas, é estranhamente convencional.

Sonhos

Freud acreditava que os sonhos eram manifestações inconscientes dos nossos desejos e que levavam em conta os acontecimentos mais recentes. Mas Jean Cocteau naquele filme, Orfeu, sugere que os sonhos são uma espécie de território intermediário entre o mundo dos vivos e o universo dos mortos. Há uma passagem notória e de arrepiar os cabelos em Freud, em que ele conta o sonho de um pai em que o filho morto (e que estava sendo velado numa sala) aparece-lhe coberto de chamas reclamando: "Pai, não vê que estou ardendo?". O pai acorda, vai até onde estava o corpo do filho e vê que uma das velas tombara sobre ele, chamuscando o cadáver. É impressionante. Histórias assim e sonhos realistas com pessoas já falecidas me levam a acreditar que Cocteau tinha uma certa razão.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Fazendo o que a imprensa oficial não faz

Ninguém toca nos livros dos escritores maranhenses contemporâneos, ninguém comenta, ninguém critica, ninguém opina. Depois espalham por aí o mito de que há uma cultura maranhense maravilhosa, etc. Mas, como?! Quando? Onde? Sem repercussão, sem discutir, sem crítica? Que cultura é essa? Já que ninguém se atreve, darei minha cara a tapa a partir de agora, escrevendo sobre os livros que me chegarem, ainda que cheguem com atraso. É o mínimo que posso fazer. Aguardem as próximas postagens.

Questões

Não dou a mínima pra futebol, mas algumas perguntas eu sinto que tenho que fazer porque as coisas estão chegando a uma dimensão ridícula: Quem é Ronaldinho Gaúcho, o que ele fez de errado afinal, bateu papo ou o quê no quarto com uma mulher, quem vai saber, e que importa isso, e qual é o crime cometido por um clube que sonda o jogador de outro time (todos os times sempre não fazem isso)? O que é o futebol (ah, aquele esporte inventado pelos ingleses que o Lula sempre comparava ao seu governo)? Por que tanta gente fala nesse tal de Neymar, ele é o nosso Cristiano Ronaldo por acaso? E, acima de tudo, por que torrar vinte e cinco bilhões em obras (se ficar só nisso) para uma Copa do Mundo nesse nosso país sem hospitais e escolas públicas decentes? Que primeiro mundo é esse que o Brasil pretende alcançar ou impressionar quando sabemos que o chamado primeiro mundo está todo mergulhado em recessão econômica, desemprego e crise generalizada, é isso que o Brasil quer para si neste momento? Quais as nossas prioridades como nação? A política do circo para o povo (onde cabe a nós o papel dos palhaços)? Justo agora com a inflação galopando no horizonte e a seca do Nordeste, que promete?

Bolachas

2012, ao que tudo indica, vai ser um ano repleto de bons discos, tanto de veteranos quanto de bandas emergentes. Tenho minhas dúvidas em relação às bandas emergentes, afinal não me entusiasmo muito com o que ando ouvindo por aí, mas os discos novinhos em folha de Patti Smith, Garbage, Keane, Rufus Wainwrigh, Gossip, Richard Hawley, Arctic Monkeys, Scissor Sisters, Hot Chip, entre outros, estão muito bons pra começo de conversa.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A grande beleza de uma rainha do mal



"Branca de Neve e o Caçador" (Snow White & The Huntsman, 2012) é um entretenimento divertido na maior parte do tempo, que se vale de um visual deslumbrante e de algumas insinuações perversas para recontar uma história manjadérrima: um daqueles contos de fadas pilhados do imaginário popular europeu pelos fabulosos Irmãos Grimm e que foi magnificamente adaptado por Walt Disney, num desenho visto e admirado por todo mundo. Edmund Wilson, o famoso crítico literário, era obcecado por Disney, e o russo Serguei Eisenstein, diretor do clássico "O Encouraçado Potemkin" (1925) considerava "Branca de Neve e os Sete Anões" (1937) o melhor filme de todos os tempos, e melhor elogio que o apreço desses dois senhores eu desconheço.

Muita gente com quem converso me diz que não gosta de filmes fantasiosos, por considerá-los infantis. Puxa vida, caramba. Apontem-me um único filme produzido nos últimos trinta anos em Hollywood que não seja absurdamente fantasioso e infantil. Não estou falando do cinema independente americano, que ainda segura a peteca de um certo realismo-naturalismo preferido por essas pessoas que fazem ressalvas a filmes como a trilogia "O Senhor dos Anéis" (Lord of The Rings, 2001-2003). Spielberg e George Lucas manjaram, cinéfilos que são, o gosto das massas pela diversão escapista. Nada inventaram. Apenas deram ao público contos de fadas adequados à nossa era tecnológica. Ficaram multimilionários assim.

"Branca de Neve e o Caçador" é, claro, puro entretenimento escapista, mas pelo menos diverte com competência, coisa que vários filmes recentes (alguns inclusive indicados ao último Oscar) tentaram fazer, sem sucesso. Não serve para crianças pequenas (estas vão se apavorar). E é um filme de mocinha contra vilã. E que vilã a magnífica Charlize Theron interpreta, calcada, segundo ela, no Jack Nicholson louquinho de pedra no hotel mal-assombrado de "O Iluminado" (The Shining, 1981). Sim, o grande embate do filme é entre a princesa Kirsten Stewart (a Branca de Neve) e a rainha madrasta Charlize Theron (Ravenna) Mas os rapazes podem ver este duelo sem sustos, a muitas léguas de ser um mero "filme de meninas", não é aquela comédia fraquinha que a Julia Roberts fez com o mesmo tema, "Espelho, Espelho Meu" (Mirror Mirror, 2012). Há muitas cenas de combate (poderia ter menos, reclama Roger Ebert, e com razão), tais cenas caberiam em qualquer épico de Mel Gibson pois são uma concessão aos garotos, obrigados a ir aos cinemas a convite das namoradas e que acabam mesmerizados pelo ritmo frenético, sinistro e esplendoroso da primeira metade do filme.

Há várias coisas a destacar. Em primeiro lugar, o tratamento sombrio, mais próximo do conto original. Se o velho filme da Disney acentuava um lado fofinho e encantador, e contrastava-o com a impressionante transformação da madrasta em bruxa decrépita, esta nova versão aposta mais no clima de pesadelo daquela cena inesquecível, criando outras também poderosas, e acerta na mosca. Os contos de fada originais, quem leu na infância sabe, mostram um universo muito mais sinistro e cruel que o de vários filmes de horror. Uma sequência marcante: a fuga da Branca de Neve através da Floresta Negra, as árvores todas se movendo e lançando essências alucinógenas no ar: e a princesa acaba viajando numa "bad trip". Põe bad nisso.

Mas nada me parece mais impactante que a cena de cama entre Charlize Theron e o rei, seu esposo. Quando ela, em pleno leito nupcial, inicia um monólogo na hora do vamos ver, ressentida como uma feminista que discursa contra o falocentrismo patriarcal, momentos antes de sacar um punhal, o que me fez pensar na Sharon Stone de "Instinto Selvagem". Os homens não esperam um discurso desses, típico de jaburu, num pitéu como Theron. A vilã dela, além de assassina vingativa é uma feiticeira poderosa, linda de morrer, de uma gelidez impressionante. Há quem confunda isso com frigidez. Mas a Rainha nutre uma relação incestuosa com o irmão. O incesto entre os dois é apenas uma sugestão (mais ou menos) sutil. Há um diálogo em que ela pergunta para ele se já  não lhe dera tudo, absolutamente tudo que podia dar, e o mano concorda. O verbo "dar" aqui não se refere apenas a poder, luxo e riqueza, meus caros. É o lado mais perverso do filme, que não segue os passos "caretões" da Disney (os personagens tentam fazer sexo, embora ninguém consiga).

A rainha perde a paciência, mas não a majestade, em algumas cenas. Grita com seus lacaios, com o irmão que tenta "lanchar" a princesinha Kirsten, mas esta também reage com um prego pontudo (e fálico, o ressentimento contra os homens deve andar muito em voga em Hollywood). A cara que Charlize Theron faz diante da "traição" do irmão vale o filme. Quem nunca viu uma mulher enciumada desse jeito nunca viu uma mulher, ponto.

Muitos críticos sugerem que o personagem de Chris Hemsworth (o Thor de "Os Vingadores") é sub-aproveitado. O que queriam do cara? Ele é um viúvo bêbado-bosta, metido em mil brigas, recrutado pelo irmão da rainha para caçar a princesa fugitiva, perdida na Floresta Negra, lugar tão nefasto que até a Rainha Madrasta teme. Ele é enganado pela Rainha, que promete ressuscitar sua amada. Mas quando ele finalmente captura a Branca de Neve, hesita, vira a folha e acaba combatendo seus aliados. Decide ajudar a garota a fugir. Aqui o filme quase descamba para uma comédia no estilo "A Princesa e o Plebeu" (Com a qual tem algumas semelhanças, especialmente no desfecho), mas evita a tentação. É claro que o caçador se apaixona perdidamente pela princesa, mas contém o troço dentro de si. Até quem não acredita em conto de fada sabe que a princesa, sangue azul, casará é com o príncipe William, seu amigo de infância. Cria-se um triângulo amoroso que permanece inexplorado, não entra em combustão nem em crise de ciuminho em nenhum momento, acertadamente a meu ver, pois há uma guerra horrenda contra uma feiticeira perigosa em curso, e coisas muito mais urgentes para se preocupar, como enfrentar a morte o tempo todo em combates medievais.

 Mas o que atrapalha totalmente o ritmo da história (até então impecável) é a aparição dos oito anões (um deles, claro, morrerá, e é um barato involuntário do filme tentarmos adivinhar qual), estes anões nem anões são, cortesia dos efeitos especiais, que contribuem para Bob Hoskins e outros ganzelões deixarem desempregados vários toquinhos de gente (Quanta maldade!). Os anões deveriam proporcionar certo alívio cômico na plateia, mas alguma coisa não funciona aqui. Então na sequência seguinte vem um dos momentos mais belos do filme, um passeio pelo coração do Reino das Fadas, com cogumelos olhudos e outras criaturas mágicas deslumbrantes. Há uma cena que guarda uma semelhança assombrosa com aquela da princesa prestes a tocar o unicórnio em "A Lenda" (Legend, 1985), de Ridley Scott.

Cena problemática, a meu ver, além da aparição dos anões chatonildos, é o flashback rápido e inadequado, que mostra o drama pessoal da Rainha, um trauma infantil envolvendo até abusos, que acaba virando justificativa para o comportamento da vilã. Não precisamos saber o que levou uma criatura tão bela a ser tão monstruosa assim. É fácil imaginar a atriz querendo saber a "motivação da personagem" para encarnar o papel com mais naturalismo, mas claro, isso tudo é bobagem. Em conto de fadas a princesa tem que ser pura e boa, já a vilã tem que ser vilã, praticando todas as maldades a que tem direito. Modernizar demais os contos infantis, limando suas asperezas, acaba deixando as crianças confusas quanto à sua moral, como nos advertia Bruno Bettelheim em seu esplêndido livro "A Psicanálise dos Contos de Fadas", observação que também serve para os adultos que frequentam cinemas. É fácil entender a crueldade sem atenuantes da rainha no velho desenho de Disney, o prazer de fazer o mal, a vontade ilimitada de destruir sua rival mais jovem e mais bela, ainda que sacrifique tudo, até a vida no processo. Um exagero? Não creio. Já vi até mulheres feitas pondo toda a vaidade de lado só para puxarem os cabelos de suas desafetas.

Para as mocinhas da plateia talvez as cenas mais assustadoras do filme sejam as que mostram as atrizes envelhecendo inexoravelmente. Há várias discussões interessantes que se podem levantar sobre a questão da perda da beleza, o medo do implacável envelhecimento feminino. Perder a beleza significa perder papéis em Hollywood, todas as atrizes veteranas sabem, e mesmo a lindíssima Charlize Theron. Mas o filme funciona ainda que não se discuta nada, mesmo para aqueles que não enxergam as camadas menos óbvias de seu subtexto. É um belo filme, graças ao talento visual criativo de seu diretor, Rupert Sanders, outro que salta do mundo da publicidade para o universo do cinema. Pois seja bem vindo, seu moço.

Plim Plim

O poder de hipnose que as telenovelas exercem nas mulheres brasileiras, bem como o futebol, por sua vez, entre os representantes viris da nação, é avassalador. Em grande parte por sermos um país de analfabetos. Não temos também um cinema (nem, porca miséria, um teatro) que rivalize com a atenção cavalar dedicada a telinha. E TV sai de graça, não é preciso entrar em fila, pagar flanelinha ou estacionamento, fica-se em casa assistindo-a, mansamente, como um gato castrado. As telenovelas encontraram, a meu ver, a fórmula mágica para os entretenimentos baratos: dão o que o povo quer. São reescritas diariamente por autores e assistentes, em função do que o público deseja. Já o futebol serve como verdadeira válvula de escape para o troglodismo dos machos da raça. A quantidade de palavrões proferidos durante uma simples partida serve de descarrego emocional a essa nossa gente sofrida, que prefere xingar a mãe do juiz a falar mal de nossos políticos daninhos. A maioria forma toda sua pobre noção de "realidade" com base nas imagens fragmentadas, corridas, da TV, que não comportam pausa para reflexão. As pessoas ficam prostradas em êxtase na sala. Tamanha devoção dedicada à telinha me lembra o fascínio submisso do escravo atirado aos pés de seu amo e senhor.

domingo, 3 de junho de 2012

Voltamos!

Oi, lembram-se de mim? Faz tempos que não escrevo nada por aqui. Ando atarefado e estudando muito. O estado deplorável de nossa ilha não me dá muito ânimo de sair da toca. Principalmente agora, quando começa o período junino, e tudo se resume a boi e matracas nesta cidade. Há quem se divirta olhando essas coisas, e não me espanto, há quem se divirta mesmo em velórios. Tento me desinfetar do contagiante provincianismo local lendo bastante. Estou me regozijando aos bocadinhos com o "Diário da Corte", do Paulo Francis. Quanta falta faz ao Brasil um sujeito de gênio crítico como Francis! Especialmente em tempos grotescos como o nosso. Imagino o pau que ele não escreveria, achincalhando quem merece ser achincalhado na desgraceira que virou a vida sob a classe governante deste país. Francis quebrou a forma com a qual moldou a si mesmo, não deixando discípulo na imprensa oficial, ou blogueira, que o igualasse em erudição, sagacidade e graça. Ainda não apareceu ninguém com um terço do seu brilho intelectual, ou que concorra com seu talento imenso no manuseio das palavras. Também ninguém supera o seu delicioso coloquialismo nem exibe a força de suas opiniões. Polemistas, há alguns, mas nenhum digno de nota. Como ficou chato ler jornal no Brasil, que não deixa de ser uma obrigação diária indispensável, como aqueles rituais físicos que praticamos no banheiro.