quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O calor


Aluísio Azevedo principiava O Mulato descrevendo o calor escaldante, insuportável, de São Luís. É exato, preciso: a melhor descrição já feita sobre a região. Basta descer de avião por aqui para ter a sensação de mergulhar numa labareda ardente. O clima do Maranhão não muda, é permanentemente infernal. Talvez por isso não passemos de pobres diabos, comandados há mais de quarenta anos pelo mesmo e velho coisa ruim.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Pilantragem ocidental


Entre os candidatos às eleições 2010 aqui no Maranhão, tem um maroto (não vou divulgar o nome) que faz campanha usando "Wild World" (de Cat Stevens) como jingle. Virou um reggae bem chiclete. Se Yusuf Islam (o cantor mudou de nome depois de converter-se ao islamismo) ouvisse o troço, seria capaz de processo. Islam renegou todos os seus sucessos dos anos 70 e não permite que eles toquem sequer na televisão em forma de trilha de comerciais.

Felizmente não transformaram a lindíssima "Morning Has Broken" em Vote no Candidato Fulano de Tal. Ainda.

Ousadias na telona


Serge Gainsbourg (1928 - 1991), foi um músico extraordinário, que ficou famoso por suas muitas excentricidades.

Na capa do disco Love On The Beat (foto) ele aparecia maquiado como um travesti. Serge sempre gostou de se divertir tirando onda dos tabus sexuais alheios.

Feio, baixinho, narigudo e orelhudo - ainda assim ele se envolveu com beldades como Jane Birkin, Juliette Gréco e Brigite Bardot. Sedutor extremista, Gainsbourg era um misógino obcecado por sexo e um bêbado constante. Sua vida e sua carreira foram marcadas pela audácia, pela provocação. Sua música mais famosa, "Je T'aime Moi Non Plus", (composta para Bardot) simulava o êxtase de um orgasmo feminino, já em "Lemon Incest" ele posava de pai incestuoso ao lado da filha Charlotte, hoje também cantora cultuada.

Gainsbourg virou filme. Na França, já foi assistido por mais de um milhão de pessoas e vendeu 150 mil DVDs . A diretora, Joann Safar, não define seu filme como uma cinebiografia, mas como uma comédia musical ao estilo de "Todos Dizem Eu Te Amo" (de Woody Allen) ou de "Sinfonia em Paris" (de Vincent Minelli). "Gainsbourg", infelizmente, ainda não tem previsão de lançamento por aqui.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Brinquedo de Gente Grande

O Pato Fu amadureceu. E como todo grupo que se preze enfrentou o desafio pop de elaborar um "álbum conceitual."Música de Brinquedo, o novo disco, foi - de fato - todo gravado com instrumentos musicais de brinquedo. O repertório escolhido é uma seleção de músicas que influenciaram o Pato Fu. Vai de Paralamas a Paul McCartney, passando por Zé Ramalho e Temptations.

Algumas crianças (de verdade) fazem backings e soam um bocado marotas se comparadas à timida voz de Fernanda Takai. O resultado final é divertido, ainda que lembre (um pouco) aqueles trabalhos experimentais da Björk, como "Vespertine" ou "Medula", mas sem o lado esquisitão destes discos. O Pato Fu experimenta, mas brincando, criando arranjos ora delicados ora engraçados.

As versões são muito legais, mas eu destaco "Rock and Roll Lullaby" (B. J. Thomas), "Ovelha Negra" (Rita Lee) e "Sonífera Ilha" (Titãs). Música de brinquedo soa como um papo muito sério, coisa de quem busca se reinventar. Com este disco o Pato Fu comprova - assim como Adriana Partimpim - que a boa música é para crianças de todas as idades.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Cena de Cinema


Em Adúltera (Le Diable au Corps, 1947), adaptação para o cinema de O Diabo no Corpo, o escandaloso primeiro romance do enfant terrible Raymond Radiguet (desenhado aqui por seu amante Jean Cocteau), há a cena, divertidíssima, do vinho estragado no restaurante, que é perfeita por sua ironia e maldade aliciadora: é um momento que nos faz apreciar a cara de pau dos jovens protagonistas e que estabelece a ousada cumplicidade amorosa do casal.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O Único Romance de Canetti


Nos últimos dias tenho me dedicado à leitura de Auto-de-Fé, o primeiro e único romance de Elias Canetti, tijolaço que é considerado por muita gente boa um dos melhores romances do século vinte.

O livro, a meu ver, está longe de ser a obra-prima de Canetti. O genial Massa e Poder leva o prêmio. Mas Auto-de-fé tem seus momentos: é um livro que prende a atenção. O grande pecado do livro são os seus protagonistas - completamente caricaturais, ilógicos, às vezes tão patetas quanto personagens de historinhas em quadrinhos.

A história seria cômica, não fosse trágica: um intelectual alienado obcecado por livros que se casa com uma faxineira vulgar. Tudo em tom de farsa, baixa farsa, e que deve terminar muito mal, creio eu. O livro não dá sono. Mas Canetti tem coisas melhores.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Filme Sonhado


A Origem (Inception, 2010), de Christopher Nolan, é um filme que confundiu as cucas dos diversos casais-balde-de-pipoca presentes à sessão, que ficavam fazendo cara de ponto de interrogação, obviamente sem entender a "lógica" de um filme que segue a lógica (e o absurdo) dos sonhos.

Quem não entende um filme desses vai ver é surdo. O filme chega a ser tão explicativo sobre seu próprio modus operandi que chega até a ser meio cansativo. Mas o público de cinema hoje em dia anda tão viciado em clichês que se um filme comete a ousadia de falar da arquitetura de sonhos ou se nos oferece várias camadas sobrepostas de realidade e imaginário (algo que, no fundo, todo filme faz) fica parecendo muito complicado, ou supremo pecado: "cabeça" demais.

A Origem é puro entretenimento, mas também funciona como um labirinto complexo: mergulhar nele equivale a uma experiência desconcertante e desorientadora. Emergi da sala com uma sensação maravilhosa, um misto de perplexidade sensorial e de deslumbramento visual.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Hiper Super

Sem querer fazer propaganda, mas já fazendo: no Hiper mercado, no São Luís Shopping, há uma mesa repleta de livros a precinhos bem inhos. Lá, no meio de vários livros da Coleção Ponte Velha, da editora Escrituras, que lança autores portugueses contemporâneos no Brasil encontram-se vários exemplares do magnífico Animal Olhar, de António Ramos Rosa (um dos mais geniais e consagrados poetas da atualidade) e o surpreendente A Idade da Escrita, da Ana Hatherly (que além de poetisa é romancista, ensaísta, tradutora e artista plástica), sem falar da esplêndida coletânea coletiva de poesia neo-barroca Jardim de Camaleões, cada um pela bagatela de 4,90 dinheiros. Já o irônico romance A Saga dos Marx, de Juan Goytisolo (autor recomendado pelo eminente Harold Bloom em O Canône Ocidental) eu catei por lá por apenas 2,90. Meus amigos, corram.

domingo, 1 de agosto de 2010

Foi Show

Ontem, duas sereias apresentaram-se no Teatro João do Vale. Ceumar (foto) era a atração principal e o cristal de sua voz cintilou para o público, que aplaudia com vigor e muitas vezes cantava junto. Mas a revelação da noite, pelo menos para mim, foi a cantora maranhense Tássia Campos. Ela tem uma postura bem tímida no palco. Mas que voz. Que repertório. Que grata surpresa. Fiquei muito entusiasmado e mais ainda quando informaram que ela está gravando o primeiro disco. Convidada para voltar ao palco para o encerramento do show, Tássia juntou-se a Ceumar e ambas foram aplaudidas de pé.

Outra alegria musical da noite foi descobrir que também teremos shows este ano de Mariana Aydar, Céu e Fernanda Takai. Enfim, aplaudamos o jornalista Gilberto Mineiro pela iniciativa de trazer estas cantoras e por incentivar os novos talentos locais.

Parece que SL finalmente começa a se curar da obsessão pornô-infantil do forró cearense e volta a ouvir boa música pelo simples e enorme prazer que dá aos ouvidos, aos pés e à alma.