terça-feira, 28 de junho de 2011

Lição de Piano


Estou lendo o famigerado A Pianista, de Elfriede Jelinek, escritora austríaca, ganhadora do Nobel de Literatura de 2004, livro que já foi adaptado para o cinema - magistralmente - por Michael Haneke, com uma Isabelle Huppert incomparável, criando vários momentos chocantes e inesquecíveis.

Lembro-me de ter saído completamente atordoado do cinema quando assisti A Professora de Piano, ali no Cine Praia Grande. Foi uma experiência crua, perturbadora, entre o pasmo, o arrebatamento e o mal-estar. Os conhecidos presentes à sessão também descreviam sentimentos nervosos, de horror ou nojo, misturados a uma estranha alegria com o que viam exposto na tela. Parece contraditório e incoerente, mas penso que isso é o que em geral se espera de uma plateia durante os filmes de Haneke, que não são feitos para agradar a maioria do público, mas para provocar reações viscerais.

Desde que vi o filme, fiquei obcecado para ler o texto original. Quase encomendei uma edição portuguesa, de preço nada modesto, via Livraria Cultura, mas a demora de meses para a entrega me fez desistir. Bom, outro dia, circulando por uma livraria de shopping, não é que vi o danado do livro gritando de novo na estante de lançamentos? Comprei no ato.

Iniciada a leitura, caiu a ficha. O livro da Senhora Jelinek é tão - ou mais - perturbador que a adaptação cinematográfica de Haneke. Trata-se de um livro de fluxos (menstruais?) da consciência, repleto de sentimentos espasmódicos, cruéis, torturantes, dolorosos, impiedosos - lapidando a imagem e a persona feminina como poucos têm coragem de vê-la. Trata-se - maravilha! - de uma obra-prima.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Adesivo

No domingo, li, na traseira de um automóvel, o seguinte adesivo: "CAOStelo".

São Luís não é uma ilha: é um trocadilho.

Cidade em que, como diz uma amiga minha, "ninguém é prefeito".

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Férias: contagem regressiva

Daqui a exatos sete dias eu entro de férias, mas não pretendo viajar (pelo menos não me planejei para isso), e sim vagar sem qualquer propósito, em dolce far niente, zanzando por nossas praias poluídas, salas de cinema, bares, inferninhos, livrarias (cada vez há menos)... etc

Ou seja: viajar ao redor do meu próprio umbigo.

Mas também vou me dedicar mais a livros, discos, filmes, vinhos, amigos, etc. E postar mais, afinal a pressa do dia a dia e o corre-corre do batente não permitem que este blogue seja tão assíduo como eu gostaria.

Obs: Alegria de pobre dura nada. Volta e meia minha chefa materializa-se, assustadora, na minha frente, pedindo para eu trabalhar algum dia de sábado ou durante a primeira quinzena de julho... Por isso eu creio que a escravatura nunca foi abolida no Brasil.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O Último Romântico

O dia dos namorados já era, mas aqui vai um presentinho musical meu para vocês. Talvez a canção pop que eu mais ame neste planeta azul: "Born Under a Bad Sign", de Richard Hawley, numa versão diferente do clássico álbum Coles Corner. Neste vídeo fuçado no YouTube, a música está levemente acelerada, mas continua linda.

Inclusões


Quanto mais políticas afirmativas (ou inclusivas) surgem de leis, aumenta a minha certeza de que nós, brasileiros, não temos um pingo de consciência social.

Somos uma nação de resignados.

Precisamos de canetadas oficiais para todos lembrarem que somos gente.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

João Cratera ataca novamente

A impressionante transformação de ruas e avenidas de nossa cidade em um imenso queijo suíço deve ter alguma coisa a ver com as comemorações de 400 anos de SL no ano que vem. Quer dizer, se a cidade não estiver totalmente destruída e arruinada em 2012, já vai ser motivo pra festa.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A microscópica grandeza de Walser


Robert Walser, um dos grandes gênios literários do século XX, desprezava o rótulo de "grandeza". Sua literatura tratava daquilo que a outros olhos, menos talentosos, poderia parecer miúdo demais para merecer registro. E é justamente nesse registro acurado de miudezas que a singularidade e a genialidade de Walser afloram. Seus livros - com frase curtas e altamente citáveis - contêm relatos que parecem tirados tanto de sua experiência pessoal quanto de um conto de fadas. Não espanta que sua obra seja citada como fonte de influência ou gere a admiração ardorosa de tantos escritores admiráveis: Franz Kafka, Thomas Mann, Hermann Hesse, Elias Canetti, J. M. Coetzee, Enrique Vila-Matas, Susan Sontag, Robert Musil, Walter Benjamin, W. G. Sebald, entre outros.

A despeito do prestígio atual, que hoje o leva a ser reverenciado, o destino foi cruel com Walser. O escritor penou por quarenta anos purgatoriais internado em uma instituição psiquiátrica, onde viveu em profundo silêncio literário (mesmo os microgramas, textos manuscritos em letra minúscula foram escritos muito anos antes), e por lá prosseguiu isolado do mundo europeu e do universo literário, até o seu suicídio.

Os seus romances, escritos na juventude, são obras-primas modelares, trabalhos de mestre, especialmente este Jakob Von Gunten, que a Companhia das Letras lança em momento mais que oportuno (também lançando um livro de ensaios variados de Coetzee em que se analisa vida e obra de Walser).

O livro é o diário do jovem Jakob, um personagem travesso, picaresco como um pequeno demônio, que voluntariamente entra para um internato, no qual os rapazes não são instruídos, mas adestrados para ocuparem cargos servis. O paradoxo de alguém tão singular, com um olhar tão aguçado para o quase indizível, que ambiciona tão só "se tornar um joão-ninguém", prende o interesse do leitor do começo ao fim.

Os choques dele com os demais personagens, especialmente com o jovem e esforçado Kraus (seu oposto), bem como o encanto que exerce sobre a professora e o diretor do Instituto Benjamenta, dão estofo a uma das narrativas mais brilhantes, originais e irreverentes de todos os tempos.

Aos que nunca leram Walser, eis um belo começo.

Capacitações

No final deste ano, Roseana Sarney pretende "capacitar" 400 mil jovens maranhenses, para serem explorados como mão-de-obra no Maranhão grandioso que nos espera, repleto de refinarias de petróleo e empresas de porte.

A governadora utilizará, para este projeto ambicioso, a estrutura escolar estadual (que atualmente se encontra em calamitoso estado de degradação física) e apressa as escolas (que já tiveram o ano letivo erodido pela greve dos professores e dos ônibus) a concluírem suas atividades até 23 de dezembro.

Ora, os alunos do ensino médio regular e da EJA que se danem, parece pensar Roseana. "Capacitar" se torna mais importante que "educar", e talvez, por ser uma palavra mais nebulosa, de sentido menos preciso, sirva para substituir e camuflar outro verbo, ainda mais necessário em nosso Maranhão de IDH tão medíocre: "alfabetizar".

Mas alfabetizar os jovens maranhenses, para quê? Deve ser pergunta corrente no Palácio dos Leões. Alfabetizados podem começar a se interessar por política (que para analfabetos não interessa a mínima). Os que sabem ler, leem, e claramente entendem a própria condição de explorados e abandonados pelo sistema. Sistema esse que é um fosso de diferenças sociais, culturais e econômicas separando os interesses de empresas e corporações poderosas (que dão todas as cartas políticas hoje) e os anseios de melhorar de vida de um povo semi-escravizado e brutalmente degradado, que vive na absoluta mansidão apolítica do analfabetismo.

Educar implica correr riscos, pondera a classe dominante do alto de seus domínios. Muito melhor que nossos jovens sejam "capacitados" pelo estado, em vez de educados, alfabetizados, ou seja, postos perigosamente a pensar.

Capacitados, implica que se tornarão capazes de algo. E me pergunto: capazes de quê? Esta é a grande incógnita que o futuro reserva para nossa juventude. Que mundo seremos capazes de criar, agora que educação e cultura se tornaram palavras sem sentido, é o que tenho medo de descobrir.

Os meramente capacitados desempenharão trabalhos braçais, boçais, banais. Já os trabalhos técnicos e administrativos gordamente remunerados estarão reservados aos profissionais educados não-nativos. Nossos jovens serão capacitados para melhor servirem o cafezinho a estes senhores.