sexta-feira, 23 de abril de 2010

Hoje é a estreia nacional de A Estrada, filme estrelado por Viggo Mortensen, que também conta com a bela e talentosa Charlize Theron. O filme é uma adaptação do apocalíptico romance homônimo de Cormac McCarthy, eleito pelos críticos americanos como o melhor livro da década passada.

Não é a primeira adaptação de um romance do sublime McCarthy para as telonas: O oscarizado "Onde os Fracos Não Tem Vez", dos irmãos Coen, e "Espírito Selvagem", de Robert Redford, são outras ótimas adaptações de obras suas.

Os livros de McCarthy têm sido regularmente lançados no Brasil, pela Companhia das Letras e agora pela editora Alfaguara. Particularmente, não gostei muito da tradução de Meridiano de Sangue pela Alfaguara. Explico-me. Há uma tradução mais antiga, da Nova Fronteira, se não me engano, que era bem superior. Logo na primeira linha, na primeira página, Cormac nos apresenta o seu protagonista, "The Kid". A versão da Nova Fronteira traduzia essa apresentação assim: "Eis o Garoto". Já a Alfaguara preferiu: Eis a "Criança". Putz. Traduzir The Kid como a "Criança": é fogo! Antipatizei de cara.

No entanto, recomendo o livro mesmo assim. Meridiano de Sangue é o melhor romance que já li publicado em décadas. Quando - todo entusiamado - emprestei o meu exemplar para o (escritor e jornalista) Mayron Régis, que nunca tinha lido McCarthy, ele nem deu muita bola, como sempre faz. mas um dia, depois de algum tempo, ele leu a coisa toda de uma só sentada. Foi absorvido pela leitura. Ficou perplexo com a personagem do Juiz. Quando me devolveu o livro, disse-me que "Meridiano" foi uma das maiores experiências literárias de sua vida.

Hoje, Mayron já leu tudo que foi publicado no Brasil e é um dos maiores aficcionados em Cormac McCarthy que eu conheço.

O romance A Estrada é também sublime. O que me leva a concluir que não há páreo na literatura contemporânea atual para grandeza de McCarthy.

segunda-feira, 19 de abril de 2010


Fico perplexo quando Elias Cannetti comenta, em um de seus ensaios, quão admirável lhe parecia a vida de Tolstói - sobretudo os anos finais, em que o grande escritor russo se transformou numa espécie de Rei Lear à própria revelia - e quão pouco apreço sentia pela obra tolstoiana.

Tolstói é tão grandioso que comove os chamados grandes leitores. Ao falar em seu nome lembro-me de um dos maiores leitores que já conheci, o meu saudoso amigo João de Paula Aragão, com quem, de literatura tudo que pude debati, e que uma vez, convidado por mim a falar sobre "o maior romancista que já havia lido" , citou-me o Tolstói de "Guerra e paz", enquanto eu pensava no Proust de "Em Busca do Tempo Perdido".

Adquiri recentemente, pela Cosac & Naify, a bela edição do Khadji-Murat, novela final de Tolstói, considerada por Harold Bloom, sua obra máxima. É um estilo cinematográfico. Tostói carregava o manuscrito consigo por onde ia, sempre fazendo modificações, suprimindo trechos belíssimos, a despeito da opinião de seus admiradores. Para o último Tostói, escrever era cada vez mais a arte de eliminar palavras. O texto que nos chega atinge os limites da transparência.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Paixões


Rever em DVD o esplêndido Louca Paixão (1973), de Paul Verhoeven, dá um puta tesão revigorante. Eis um filme visceral, anárquico, libertário, desagregador das mesquinhas convenções sociais. A paixão sexual raras vezes foi retratada com tamanha fúria do corpo e da alma.

Uma curiosidade: turkish delight, o título original deste grande filme holandês lançado no Brasil como Louca Paixão, é o nome do simpático docinho da foto (que aparece no filme numa cena pra lá de dolorosa).

Já a grande paixão da minha vida atual tem as seguintes características físicas: Tela LCD, FullHD, 42'' e Som Surround.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Desenhos para Memela

Memela (Mirela), minha sobrinha que está para completar dois anos sempre que vai à casa dos vôs me pega pela mãozinha e me traz para a frente do computador.

É que no paint brush tenho me especializado em fazer desenhos bem coloridos para ela.
Aqui vão alguns:

Releituras e Paúras

Aproveitando o relançamento da obra de André Gide estou relendo "Os Moedeiros Falsos". Eu já tinha uma edição caindo aos pedaços do livro, mas agora comprei a nova. Apesar de ter muito livro, não sou um bibliófilo exemplar. É que detesto cheiro de papel velho e nessa época de tempo úmido e chuva constante meu apê fica com um cheiro terrível caso eu não tome alguns cuidados.

Quem tem biblioteca gordinha tem que comprar muito anti-mofo.

Outro dos meus pavores é traça, aquele inseto cor de prata que se desfaz em farelos quando pressionado. E não sei o nome, mas sabe aqueles bichinhos que "furam" uma fieira de livros inteira, atravessando-os como a minhoca ao escavar a terra? São o meu maior pesadelo de leitor.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Teatralidades


Existem peças que são verdadeiras peça-para-cair-fora! Mas a montagem de "Pai e Filho", inspirada na "Carta ao pai", de Kafka, pelo Pequeno Grupo de Teatro, aqui do Maranhão, ao contrário, mantém você preso à cadeira, atento a palavras, sons e aos menores gestos.

É sempre bom destacar quem tem feito algo por aqui, levando em conta nossas iniciativas "culturais" sorumbáticas. A adaptação de um Kafka monologal de uma carta jamais enviada ao seu pai que, encenada, ganhou a forma de diálogo (arrasador) entre pai e filho, ficou a cargo do sempre produtivo Marcelo Flecha.

O resultado é brilhante: falas cortantes e contraditórias, que se anulam e desarmam umas às outras criando uma situação inescapavelmente conflitante num espaço de confinamento sepulcral. É preciso prestar atenção ao jogo cênico entre os atores, que estão perpetuamente labutando dentro de casa, o que faz pensar na obrigação moral do trabalho como parte da mentalidade burguesa. A casa dos dois é escura e triangular, a porta se transforma em mesa e escada, os livros e as roupas são costuradas pelos atores. O que se vê e ouve é um rompante desafiador (entre os atores Cláudio Marconcine e Jorge Choairy) como aquele estabelecido entre os mendigos de Beckett (autor altamente influenciado por Kafka), e fica estabelecido um jogo de gato e rato - negativo, sinistro, e terrivelmente irônico: ou seja, o universo de Kafka traduzido e revivido com direito a alusões a outras de suas obras, como A Metamorfose ou O Julgamento. Na peça, o filho é como um inseto prestes a ser esmagado pela presença atemorizante do pai. Mas cabe a ele desfiar a voz desafiadora (do escritor), embora essa voz apenas ressalte a própria derrota, a impotência e o fracasso.

Esta é - inegavelmente - a melhor peça de Flecha até aqui, a mais madura, e com uma característica impactante: a precisão. Não há improvisos, palavras deslocadas ou gestos gratuitos em cena - coisa que já vi em tantas outras montagens pra lá de amadorísticas por nossas terrinhas.

O espetáculo tem uma espécie de formato pocket: junta o público e a dupla de atores no mesmo palco. Foi a primeira vez que subi ao palco do Teatro Arthur Azevedo, embora a platéia elevada ao palco não interaja com o que veja (apesar da mania boba de alguns de fotografar os atores com seus celulares)! Uma sensação de claustrofobia e perigosa proximidade toma conta da plateia silenciosa. Há momentos de tanto silêncio tenso que tive a sensação de que se caísse um alfinete no chão este seria ouvido por todos.

E pra terminar, acho muito importante ressaltar: não presenciei bocejos nem ouvi reclamações do público ao fim da apresentação. Todos aplaudiram de pé. Este foi um grande milagre do Pequeno Grupo de Teatro.