segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

The Winner Is

Chatíssima essa cerimônia de entrega do Oscar, uma premiação sem grandes surpresas, com o costumeiro desfile de vestidos cafonas no red carpet, muita música xaroposa no palco, e alguns apresentadores até bonitinhos, mas ordinários como comediantes (James Franco até tentou entreter, travestido de Marilyn, mas prefiro a Cynthia Sapequara). O lado bom é que foi tudo bem rápido.

O Oscar era mais divertido no tempo em que um apresentador como o David Niven se via às voltas com um sujeito peladão invadindo o palco e ainda mantinha a classe, a elegância e o wit. Hoje a festa do Oscar conta com muito rostinho bonito, mas como diria a Lady Kate: "Só lhes falta-lhes o gramú!!!"

Com a Palavra

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Michel de Montaigne (1533-1592)


"Saber lealmente gozar do próprio ser, eis a perfeição absoluta e divina. Nós só desejamos condições diferentes das nossas porque não sabemos tirar partido daquelas em que nos achamos. Saímos de nós mesmos porque ignoramos o que nos compete fazer. Embora usemos pernas de pau, temos de mexer as do corpo para andar, e é com o traseiro que nos sentamos no mais alto trono do mundo."

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Realidade Preto-e-Branca

Finalmente pude ver o extraordinário A Fita Branca, de Michael Haneke, grande vencedor da palma de Ouro em Cannes em 2010. O filme é duro e tenso, como os demais de Haneke. E embora se passe numa Alemanha provinciana às vésperas da Primeira Guerra Mundial, lida com temas tão atuais, como medo, repressão, autoritarismo, ódio, violência, abuso, crueldade e ignorância, que funciona como um dedo na ferida da nossa própria época política.

O filme utiliza uma fotografia em preto-e-branco absolutamente admirável para retratar uma comunidade tradicional sendo erodida por um "mal sem rosto". Haneke deixa-nos, como Kafka, na eterna iminência de alguma coisa muito ruim, uma violência gratuita que paira no ar a todo instante, uma crueldade absurda que parte não se sabe de onde e nem a quem pretende atingir, que envolve a todos numa onda de medo, tensão e desconfiança, que abala todos os núcleos daquela comunidade, levando seus membros a questionarem o próprio sentido de suas vidas.

Volta ao Batente

Se eu estivesse trabalhando para algum pujante órgão de nossa imprensa, provavelmente a esta hora estaria escrevendo matérias em tom de indignação sobre lixos e buracos acumulados nas ruas, acentuando toda minha revolta através de algum bordão apelativo. Claro, nada tão flamboyant quanto o "Isto-é-uma-vérgonha!¨ que o Bóris Casoy proferia invariavelmente, como se estivesse gritando: "Que uó do borogodó!" do alto de suas tamancas.

Felizmente, além do diploma inútil em Jornalismo, com o qual após longa meditação, decidi fazer um lindo origami, formei-me também em Letras. E graças a esta segunda graduação, hoje, blue monday, retorno ao ofício de professor, que, segundo a LDB, serve ao menos para tentar instilar o espirito cidadão em nossos cada vez mais indóceis e refratários pupilos.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Alguma Poesia


OS PASSOS DISTANTES


Meu pai dorme. Seu semblante augusto
reflete um coração cheio de paz;
está agora tão doce...
e se algo existe nele de amargo, serei eu.

Há solidão na casa. Ainda se reza;
e hoje não houve notícia dos filhos.
Meu pai acorda. Fica sondando
a fuga para o Egito, o estagnante adeus.
Está agora tão perto;
e se nele existe algo de distante, serei eu.

E minha mãe passeia pelas hortas,
saboreando um sabor já sem sabor.
Está agora tão suave,
tão asa, tão longínqua, tão amor.

Há solidão na casa silenciosa,
sem notícias, sem verdes, sem infância.
E se há algo de quebrado nesta tarde,
e que desce e que range,
são dois velhos caminhos curvos, brancos.
Por eles vai a pé o meu coração.


César Vallejo, poeta peruano, em tradução de Thiago de Mello.

A Grande Cena Inesquecível do Cinema

Há quem cite Scarlett O'Hara entre os soldados feridos e agonizantes da Guerra Civil Americana. Ou o beijo adúltero na praia de A Um Passo da Eternidade. Ou até mesmo Schwazza prometendo na delegacia: "I Will Be Back!". Mas eu vou de "A Rede Social", cuja cena memorável é aquela em que o Justin Timberlake, posando de Sean Parker - o anjo decaído do Napster - afirma que "derrubou as grandes gravadoras". No que é contestado pelo personagem do Andrew Garfield. E Justin, eloquente, pergunta a ele se depois do Napster, alguma vez entrou numa Tower Records para comprar cd. Eu que depois do Napster vi todas as lojas de discos da Rua Grande fechar, sei bem que Parker não está falando só pra mim, mas para para toda uma geração.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Criticando um crítico


Dada a profusão de (maus) filmes que abarrotam a cada temporada as salas de cinema e videolocadoras, excessivamente tomadas por tolos blockbusters ou por comédias rasteiras, devemos procurar na crítica bem informada a opinião de alguém experimentado e inteligente, capaz de avisar-nos sobre quais filmes são importantes numa determinada época e quais são irrelevantes.

Cabe ao crítico a importante missão de ser uma espécie de boi-de-piranha profissional, lançando-se sob seu próprio risco (e de sua credibilidade) à tantas vezes cansativa missão de assistir a todo tipo de filmes. Ele o fará confiando em seus poderes de observação e em suas capacidades de expressão.

O bom crítico é mais convincente em suas opiniões quando seus argumentos parecem ser pautados por critérios estéticos rigorosos e não por idiossincrasias ou pelo senso comum. Mas em geral o que vemos é o oposto. A opinião mais vulgar prevalece, e é tomada como a voz predominante e, supostamente, a mais válida, a respeito de seja o que for. O bom crítico não pode ser teleguiado pelas opiniões correntes, por maior que seja o consenso formado.

Outro dia, por exemplo, li a opinião de um crítico de cinema do UOL que, fazendo ressalvas ao desempenho de Natalie Portman em Cisne Negro, argumentava que o diretor Darren Aronofsky deveria ter posto "uma bailarina profissional que também atuasse" no papel de Nina.

Ele esta cobrando mais naturalismo, creio eu, e lembro que vários profissionais de dança consultados a respeito do filme apontaram falhas nos passos de dança da atriz, embora quase todos salientassem que ela deveria ser premiada pelo Oscar por mostrar "a crueldade" que se sofre no meio.

Ora, os profissionais de dança parecem ter mais senso crítico que o tal crítico de cinema a esse respeito. Um desempenho de uma bailarina profissional, impecável em seus passos de dança, traria o aval dos dançarinos e dos críticos de dança, mas não aumentaria em nada o apreço ou o desgosto do grande público pelo filme. O público se deixa envolver pela performance de Portman assim como está, mesmo não entendendo patavinas de balé, graças à magia do cinema. Não é preciso ser um criminoso de verdade para se fazer papel convincente de bandido num filme.

Cabe a um crítico não ignorar a dimensão do trabalho do ator que se baseia na realidade, mas a transcende, e tampouco deve deixar de levar em conta o caráter de ilusão da arte.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Cada terra tem o faraó que merece


30 anos de tirania Mubarak é pinto perto de 40 anos sob o domínio do bigodão...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Metamorfose Dançante

Em Cisne Negro, do diretor Darren Aronofsky, as linhas que separam vida e morte, desejo e repressão, sanidade e loucura, arte e realidade, são complexamente embaralhadas, mergulhando o espectador num turvo emaranhado de sentimentos, que vão da angústia crescente ao mais profundo horror.

Isso ocorre porque compartilhamos o mesmo ponto de vista perturbado de Nina (Natalie Portman), uma jovem e talentosa bailarina, com sérios problemas mentais, que são agravados pela pressão exercida pelos demais personagens da trama, principalmente o autoritário coreógrafo (Vincent Cassel) que decide montar sua "renovadora" versão do Lago dos Cisnes e por sua própria mãe (Barbara Hershey), uma ex-bailarina, que usa e abusa do controle sobre sua cria.

O filme poderia ser descrito como uma descida sublime aos infernos ou como uma escalada gloriosamente auto-destrutiva àquele tênue limite que separa a loucura da genialidade.

Natalie Portman está tão esplêndida e tão dividida consigo mesma no filme que deveria ganhar dois Oscars de melhor atriz pelo mesmo papel. Os outros atores do filme estão igualmente espetaculares: a controladora e medonha mãe vivida por Barbara Hershey, a preterida e agressiva bailarina Beth Macintyre (Wynona Ryder), a sensual amiga e principal rival de Nina, Lily (Mila Kunis) e o extraordinário e cruel Cassel, num papel que me faz pensar no produtor de dança igualmente mefistofélico do grande clássico Sapatinhos Vermelhos, de Michael Powell.

Cisne Negro é um filme belo, sinistro, arrebatador e totalmente imperdível.