quinta-feira, 31 de março de 2011

A Terra é Punk


A julgar pela verdadeira aparência do planeta desnudada pelos cientistas, sem as camadas de nuvens (ilusórias) e o azul da atmosfera e dos oceanos, compreendemos melhor os horrores do mundo: a Terra é feia como a morte, e nem mesmo colorizada por computador consegue disfarçar sua cara-dura, pedregosa, deformada e hostil.

Seu design repaginado lembra alguma coisa gestada pelo casal Vivienne Westwood e Malcolm McLaren lá em 1976 para chocar os ingleses, tipo um Johnny Rotten dos planetas.

Um autor e uma obra


Miramar, do árabe Naguib Mahfuz, é um livro breve, conciso e multifacetado, que, a exemplo do inesquecível Vidas Secas, de Graciliano Ramos, divide sua história em pequenos contos, sob os pontos de vista de vários personagens, que interiorizam os incidentes da trama (que em Miramar são acontecimentos políticos, paixões, assassinatos). Entre seus pontos mais fortes, destacam-se os diversos tons de sua linguagem precisa, absolutamente concentrada no essencial, e as variações quase musicais para um mesmo tema.

A(s) história(s) contada(s) em Miramar se ambienta(m) numa pensão pobre e decadente de Alexandria, cidade assombrosa, que emana das páginas de Mahfuz com toda sua feiúra e beleza, e que me faz pensar na cidade igualmente mítica, arruinada e cruelmente ambígua entoada por Lawrence Durrell naquela outra obra-prima do Século XX que são os Quartetos de Alexandria.

Desde que Mahfuz ganhou o Nobel (em 1988), várias obras suas foram publicadas no Brasil. Vale muito a pena procurá-las por aí.

terça-feira, 22 de março de 2011

Rompendo o marasmo

A grande notícia a ser celebrada é que Frederico Machado, o cabeça por trás da Lume Filmes (produtora de DVDs especializada em filmes cult e de arte), reabriu e repaginou devidamente o Cine Praia Grande (no Centro Cultural Odilo Costa Filho).

A sala de cinema (que já estava fazendo muita falta) está de portas abertas e fez a sua reestreia exibindo Tetro, o mais recente filme do grandioso Francis Ford Coppola.

Nem tudo é marasmo cultural na ilha de Upaon-Açu... Pelo menos teremos mais opções além dos últimos blockbusters e das demais bombas hollywoodianas normalmente em cartaz nos shoppings centers.

Risadas Silenciosas


Presença constante em listas de melhores filmes de todos os tempos, "A General" (1927), de Buster Keaton, é um filme tão divertido e genial quanto suas outras comédias mudas.

Keaton, que ficaria famoso por sua impassível cara de pedra (foto), é considerado, ao lado de Charles Chaplin e de Harold Lloyd, um dos três maiores comediantes do cinema mudo. Muitos críticos o preferem a Chaplin, por seus filmes serem menos sentimentais. É verdade que os filmes de Keaton não arrancam lágrimas, e sim uma boa quantidade de risadas.

Keaton tem um pendor inato para as gags físicas perigosas. Com ele as proezas mais extraordinárias parecem estripulias leves e sem riscos. Não dá para dizer o mesmo das cômicas (e apavorantes) cenas de Harold Lloyd escalando um edifício em "O Homem Mosca" (1923), por exemplo.

Em "A General" há diversas cenas realmente perigosas, como aquela que mostra um trem desabando num precipício. Sabe-se que Buster Keaton dispensava dublês. Tais cenas, no entanto, não foram pensadas para assustar as platéias e sim para surpreendê-las. Assistindo a seus filmes hoje em dia o que mais apreciamos é a engenhosa precisão, quase miraculosa, com que as gags se sucedem. Buster Keaton é um dos maiores prodígios da história da sétima arte e os seus filmes deveriam ser mais assistidos e lembrados.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Livros de cabeceira

Uêba! Tem livro novo do magnífico e divertidíssimo espanhol Enrique Vila-Matas publicado no Brasil. Chama-se "História Abreviada da Literatura Portátil" e é mais uma ficção a investir no gênero metaliterário (em que o tema é a própria literatura) típico de Vila-Matas. Este livro é considerado um precursor de outras obras suas, como Bartleby e Companhia, Doutor Pasavento, Paris Nunca Termina e O Mal de Montano, todas lançados aqui pela editora Cosac & Naify.

Eu Quero

Sou um eterno apaixonado por pôsteres de cinema, e este aqui, do filme Cold Weather (2010), de Aaron Katz, é um trabalho gráfico belíssimo:


O filme estreou este mês nos EUA. É sobre o desaparecimento de uma garota numa cidadezinha. O ex-namorado da moça, a irmã dele e um amigo decidem "brincar" de Sherlock Holmes, unindo mentes e esforços para localizá-la. A crítica tem, em geral, rasgado a seda. E eu, claro, já quero ver!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Fim dos Tempos


A cultura pop japonesa, dos mangás ao cinema (vide Godzilla ou Akira), sempre exploraram possibilidades apocalípticas. Incontáveis histórias e imagens foram criadas através de décadas retratando o aniquilamento do país por catástrofes ou monstros gigantescos. Tudo parece decorrer do temor traumático da devastação nuclear total (possivelmente a grande ferida japonesa, desde os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki), temor este responsável também por aqui, no Ocidente, por muitos fantasmas do pós-guerra.

Que tudo isso tenha se materializado no presente momento após as catástrofes naturais do Japão é menos um sinal da vidência de um povo, do que da falta de bom senso da humanidade, pois, francamente, queria que algum gênio da física nuclear me explicasse a razão de se construirem tantas usinas nucleares em terras sujeitas constantemente a terremotos, tsunamis e outras ameaças.

terça-feira, 15 de março de 2011

A Paixão do Olhar


Só hoje, bastante tarde, assisti ao estupendo "O Segredo dos Seus Olhos", vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2010. O filme do diretor argentino Juan José Campanella é um dos melhores filmes recentes, e funciona tanto no gênero policial, com a investigação de estupro e assassinato de uma jovem professora, quanto no gênero romance, pois é um filme que lida com a paixão e com o vazio de viver sem ela.

É ainda uma obra sobre o tempo e a memória. Fala sobre o que é passageiro e o que é eterno. Fala de feridas sempre abertas na alma sul-americana. E é um filme de grandes perspectivas. Passa de uma investigação de crime brutal no início para uma outra questão, política, que envolve o momento, o ambiente social e o sistema em que se vive.

Os atores estão magníficos e é preciso prestar atenção no jogo dos olhares entre eles.

O "Segredo" tem um outro mérito: é um filme imprevisível. Uma surpresa atrás da outra aguarda o espectador neste grande filme. Não percam tempo como eu, assistam urgente!

sábado, 12 de março de 2011

Resumo de um carnaval


Uma gripe cavalar me prostrou em casa, e foi combalido e levemente febril que assisti aos desfiles de escolas de samba na TV (entre outros delírios, juro que vi a lindíssima Ana Hickman se estatelando na Sapucaí).

Sem saúde nem ânimo para me aventurar na rua, passei os dias arriscando novas leituras (comecei a ler simultaneamente "A História Secreta", de Donna Tartt e "Os Thibault", de Roger Martin du Gard). Ambos são interessantes, sobretudo a saga da família Thibault.

Tirei o período momesco de letra, vendo muitos clássicos do Cinema em preto e branco, como o cruel (e divertido) Yojimbo, de Kurosawa, que depois foi refilmado (ou antes, plagiado) por Sergio Leone como "Por Um Punhado de Dólares" e também conferi o sombrio "Lírio Partido" (Broken Blossoms, 1919), de D. W. Griffith, que influenciou substancialmente "A Estrada da Vida", de Fellini. Outro filme marcante foi o estranhíssimo Werckmeister Harmoniak, de Bela Tarr, este espiado em partes pelo YouTube, com legendas em inglês. Só muito gripado para tamanha paciência diante das telinhas. Mas valeu a pena, ê ê.

quarta-feira, 2 de março de 2011

A Última Saga da Trilogia

Antes de transformar o Lázaro Ramos em garanhão, o noveleiro Gilberto Braga ganhava a vida mais honestamente, escrevendo melodramas cínicos com vilões divertidos, em formato de novelha ou minissérie.

As masterpieces de Braga foram "Vale Tudo" - que transformou Odette Roitman em um símbolo das elites corruptas do país, cujo oposto era a batalhadora Raquel Accioly: uma pessoa ética e "do bem", mas chata de doer - e as minisséries "Anos Dourados" e "Anos Rebeldes", que retratavam, respectivamente, o Brasil ingênuo e bom-moço dos anos 50 e o período barra-pesada da ditadura militar (anos 60-70).

Gilberto Braga, para completar a sua trilogia, só ficou devendo escrever "Anos Ridículos", uma minissérie traçando um painel do Brasil dos anos 80, época no mínimo extravagante, em que as pessoas se diziam fiscais do Sarney e na qual um quinteto de rapazes extrovertidos e cor-de-rosa como o Ciclone era considerado, indeed, o melhor grupo do Brasil: