domingo, 24 de outubro de 2010

Traças de Livro e Taças de Vinho


O domingo de calor implacável enfrentei ao pé das estantes, deitado nas cerâmicas do piso, bebendo vinho e ouvindo atentamente a sinfonia de vozes que compõe o monumental painel cubano Três Tristes Tigres, de Guilherme Cabrera Infante (foto).

O livro foi recentemente relançado no Brasil, após anos fora de catálogo. Não é exatamente um romance no sentido tradicional do termo, mas uma coletânea polifônica de contos, situados em uma Havana pré-Fidel que já não existe senão na literatura.

Os ensaios e relatos de Mea Cuba, outro livro repleto de trocadilhos, lembranças e muita, muita ironia fizeram de Cabrera Infante um dos meus herois;

Três Tristes Tigres é uma proeza em prosa, repleto que está de jogos de palavra e de múltiplas surpresas verbais.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Presas afiadas


Por que cargas d'água um filme belo e impactante como o sueco Deixa Ela Entrar (Låt den rätte komma in, 2009), de Tomas Alfredson, não passa em nossas salas?

É um enigma. Em compensação, toda e qualquer porcaria americana tem exibição assegurada.

Mas falemos do filme. Numa época em que o tema dos vampiros parecia condenado à banalidade depois das bobagens adolescentes da saga Crepúsculo e de várias séries de TV exóticas e "eróticas", Deixa Ela Entrar, um filme sutil, fascinante - e acima de tudo - perturbador, surge de regiões geladas e sombrias para nos assombrar contando a história de dois pré-adolescentes com sérios problemas pessoais - ele sofre bullyng de meninos da escola e ela é uma vampira.

O filme tem suas ironias e momentos de uma ternura surpreendente. Suas cenas não se ocupam muito em pregar sustos, mas em criar um clima de grande suspense. O que cala fundo é a solidão de seus personagens, traduzindo, em imagens assombrosas, as dificuldades e horrores que implicam a transição da infância para a vida adulta.

Deixa Ela Entrar foi comparado a Nosferatu, obra-prima de Murnau, pelo eloquente crítico de cinema Roger Ebert (assim como Nosferatu, diz Ebert, "este é um filme que leva tão a sério seu tema que parece realmente acreditar que existem vampiros no mundo"). Já foi feita uma refilmagem americana (boa, mas que não se saiu tão bem assim nas bilheterias, embora muito elogiada por público e crítica).

Infelizmente o original sueco e um dos grandes filmes recentes Deixa Ela Entrar ainda não foi lançado em DVD no Brasil. Porque será que eu não me surpreendo?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Guerra de Palavras


Os Cus de Judas, do romancista português António Lobo Antunes é de uma barroquice tortuosa e exuberante, uma construção magistral em prosa poética a ecoar os horrores vívidos experienciados na carne e na alma pelo autor (que serviu como médico em Angola, na Guerra de Ultramar), remetendo ao traumático período colonialista europeu no qual um jovem Lobo Antunes pousava com as tropas lusas em verdadeiros cus de mundo africanos. O livro se ampara nas invencionices narrativas de James Joyce e emprega uma dicção hermética digna de Dylan Thomas.

Como todo alto Modernismo, não é fácil nem óbvio. Mas recompensa enormemente quem ousa mergulhar em suas páginas.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Angústia da Influência


Borges foi um duplo de Kafka. Enclausurado na labiríntica biblioteca do seu avô, o menino Jorge Luis deve ter sobrevivido ingerindo as páginas das enciclopédias.

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O mais belo de todos os livros a enveredar pela linhagem fantástica de Kafka e Borges é Paisagem Pintada Com Chá, de Milorad Pavitch.