terça-feira, 30 de novembro de 2010

Catatônico


Se a última Feira do Livro de São Luís, um tanto careira e mal servida de stands, serviu para alguma coisa foi para que eu adquirisse um exemplar novinho do Catatau, de Paulo Leminski, livro sublime e que estava há muito tempo fora de catálogo (só se encontrava fuçando em sebos e a preços exóticos). O Catatau recentemente ganhou um relançamento pela editora Iluminuras, e é único, hilário, com sua linguagem desafiadora, digna de um Finnegans Wake, de Joyce ou de um Paradiso, de José Lezama Lima.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Amerika ou o Desaparecido


Lendo e gostando muito de As Brasas, de Sándor Márai. O livro fez muito sucesso nos Estados Unidos, alguns anos depois que o autor cometeu suicídio por lá. São as ironias do Destino, e também as da Literatura.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Negra Divindade


Seus Olhos Viam Deus, de Zora Neale Hurston, é um romance cultuado hoje, tanto por ideólogos de raça como de gênero (as feministas o redescobriram e o vêm promovendo desde os anos 70). Parece até, dizendo assim, alguma chatice politicamente correta. Mas o esplendor do livro transcende todas as colorações (políticas ou epiteliais) de seus admiradores.

O entusiasmo crítico que atualmente cerca o livro não foi o mesmo no período em que Hurston o publicou. Malhado pela crítica dos anos 40, especialmente por Richard Wright, o romancista e crítico, que acusou-o de ser "um romance que fazia na literatura o que os artistas brancos faziam, com a cara pintada de negro, no teatro, ou seja, provocar gargalhadas nos brancos". Engajado no realismo socialista, Wright não enxergava nenhum "tema, mensagem nem idéia" em Seus Olhos Viam Deus. Mas ele estava enganado, claro. O livro transborda de temas, mensagens e ideias. A principal é dar voz a personagens exuberantes, plenos, vivos, como Janie Starks e Tea Cake, simplesmente admiráveis e inesquecíveis.

Outro triunfo de Hurston é a linguagem. Ouvidos devem ficar atentos tanto aos delicados timbres da narração poética quanto às falas prosaicas, musicais, de seus personagens. Zora foi filha do prefeito da primeira cidade inteiramente negra dos Estados Unidos, e pode-se dizer que a experiência dela em meio a seus conterrâneos, bem como suas pesquisas sobre folclore e cultura oral dos negros da Flórida como antrópologa, colaboram para erigir as muitas vozes deste arrepiante romance modernista.

Seus Olhos Viam Deus conta a história de Janie, uma jovem e bela mestiça. A avó teme que ela sofra como as mulheres sofriam na escravidão, e aconselha-a a se casar com um homem respeitável, mas que lhe é indiferente. Zora conhece um outro homem, foge com ele, e apesar de enriquecerem ao construir juntos uma cidade negra a partir de uma grande casa à margem da estrada, ela só conhecerá a felicidade - brevemente - ao se unir a Tea Cake, dez anos mais jovem que ela, um homem cuja natureza ambígua e apaixonada a arrasta consigo para uma vida aventurosa nos brejos, até o desfecho quase apocalíptico do livro.

Um romance arrebatador, do princípio ao fim, como poucas obras-primas.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Uma Paixão Literária


A sensação de ler A Paixão (The Passion), ótimo romance pós-moderno da inglesa Jeanette Winterson (fotos), que se passa na Europa durante o período napoleônico, é de perplexidade. O livro é absolutamente imprevisível e conta a estranha relação entre um soldado francês admirador de Bonaparte e uma bela jovem filha de gondoleiro veneziano, com pés disformes (de pato). É um livro de época fantasioso e divertidíssimo, que me lembrou muito o Memorial do Convento, de Saramago, e o Mundo Alucinante, de Reinaldo Arenas. É cheio de histórias absurdinhas às quais o narrador pede que acreditemos ou não. O narrador, por sinal, são dois. O romance muda constantemente de voz, de perspectiva e até de sexo, alguns personagens adoram travestir-se (os protagonistas de Jeanette são sempre andróginos).

Jeanette é uma escritora de destaque, que desafia as convenções literárias, linguísticas e de gênero. A história pessoal dela parece mais uma das muitas narrativas improváveis do seu romance: Jeanette foi adotada por um casal de missionários pentecostais, que a ensinaram a ler através do Deuteronômio. Ainda menina, já se tornara evangelista, escrevendo seus primeiros sermões aos seis anos. Aos dezesseis, fugiu de casa para viver um caso de amor lésbico.

A Paixão foi um livro publicado originalmente em 1987. Serve como uma excelente porta de entrada no universo provocativo da autora. Saiu aqui no Brasil pela Record, em 2008, e a editora promete lançar mais romances dela, como A Guarda do Farol. Que bom!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A Visita do Poeta


O poeta gaúcho Fabrício Carpinejar virá a S. Luís participar da 4a edição da Feira do Livro. Carpinejar, um dos mais representativos poetas da atual geração, promete ser o grande destaque do evento que começará a partir desta sexta-feira.

Autor dos premiados livros As Solas do Sol, Biografia de Uma Árvore e Terceira Sede, bem como da ótima compilação Caixa de Sapatos (Cia das Letras), Carpinejar tem um bom blog em que há mais de seis anos divulga suas crônicas, considerações literárias e lançamentos. Curioso? Basta clicar aqui.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010


Andei totalmente afastado do blog por ter voltado a pintar (Iniciei uma sequência de cinco telas novas na última semana). Mas nos intervalos longe dos tubos de tinta e antes de dormir, andei lendo bastante. Começando por Caro Michele, da italiana Natalia Ginzburg. Trata-se de uma narrativa epistolar lançada pela Cosac & Naify e integra a maravilhosa coleção Mulheres Modernistas.

Ginzburg é única. Tem um estilo objetivo, vastamente descritivo e sabe dosar suas narrativas com um humor cítrico, azedo a qualquer sentimentalismo barato. Todas as suas histórias envolvem pessoas enfiadas em problemas prosaicos, mas no fundo são elegias, como aqueles dois cintilantes e encantadores contos do livro Família.

Caro Michele
não fica atrás. É uma novela que toca com sutileza em vespeiros variados, como relações entre pessoas de classes sociais diferentes, depressão, tagarelice feminina, homossexualismo. As personagens de Natalia Ginzburg possuem uma ironia afiada, o que torna seus livros mais do que atuais, indispensáveis.