quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Mulher Americana


Paulo Francis, em seu Diário da Corte, comentava que a literatura norte-americana não possuía mulheres críveis, com personalidades completas. Não havia uma Madame Bovary, uma Anna Karenina, nem uma Capitu, sequer, na obra dos melhores escritores dos EUA, centrados que estavam na figura masculina.

Já o cinema americano, que é considerado puro entretenimento pop, coisa francamente menor, apresenta perfis femininos realmente notáveis. Um exemplo é o magnífico Alice Não Mora Mais Aqui, de Martin Scorsese, em que Ellen Burstyn (que ganhou o Oscar em 1974 pelo papel) encarnava uma dona-de-casa interiorana, subitamente viúva, com um filho de 12 anos para criar.

Outro desses perfis que servem como radiografia da realidade de uma mulher americana é traçado, com muita competência e brilho, pelo diretor Todd Haynes, em Mildred Pierce, minissérie da HBO (em 5 capítulos) inspirada num livro de James M. Cain (autor do clássico O Destino Bate à Sua Porta).

A história da mãe com duas filhas (uma doce, a outra uma víbora), separada, que tem que batalhar por emprego (ela se torna garçonete e depois abre um restaurante) e que é atraiçoada pela própria filha mais velha e pelo amante cafajeste, já rendeu uma famosa adaptação noir de Michael Curtiz estrelada por Joan Crawford e já inspirou telenovelas como Vale Tudo, de Gilberto Braga, atualmente reprisada pelo canal Viva.

Mildred desta vez é encarnada por Kate Winslet, perfeita num papel rasgadamente melodramático. Outro destaque da minissérie é a magnífica reconstituição da época. Mais do que uma questão de adequação do decór, Haynes consegue recriar o clima de desamparo e fragilidade econômica que se seguiu imediatamente à quebra da bolsa de Nova York, da grande depressão (período quase análogo à atual crise da economia americana), feito que um filme razoável como Inimigos Públicos (de Michael Mann), que registra a mesma época, não conseguiu. Todo o período de revés dos anos 30 se reflete nos muitos golpes e rasteiras que Mildred, como mãe e como mulher liberada sexualmente, leva do destino.

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