sexta-feira, 16 de julho de 2010



Um escritor de primeira grandeza que tem norteado a maior parte das minhas preferências (ou aversões) literárias, ultimamente, é Samuel Beckett. Admiro o lado dramaturgo (pelo qual ele é mais reconhecido), mas amo principalmente os romances que compõem a trilogia Molloy, Malone Morre e O Inominável.

Não escrevo isso aqui para rasgar seda como fez (o recentemente falecido) Harold Pinter, que uma vez taxou de "linda" a obra de Beckett. Nem levo muito a sério o que escreve como crítico Ferreira Gullar, que considera a obra de Beckett uma chatice só. Tem muita gente boa e culta que acha Gullar um chato. Eu admiro tanto Beckett romancista quanto Gullar poeta, vai ver porque sou muito chato também. O que pretendo, creio, é fazer um justo reconhecimento:

O Inominável supera tudo que eu estava lendo antes e tudo que vim a ler depois. É duro. Uma pedrada. Um desafio. Uma obra-prima. E como tal, uma monstruosidade.

Dá para sentir a influência de Beckett em escritores brasileiros contemporâneos, como Bernardo Carvalho, por exemplo. Seu romance Teatro é puro Molloy. Com seus dois personagens que no fim das contas são um só.

O tão falado "desespero existencialista" que muita gente insiste em enxergar em Beckett é coisa de quem não percebe o sinistro humor de seus escritos. Isso de que a obra dele é vazia e fica falando e falando sobre o "nada" é um lugar-comum de leitores vazios, que não têm nada a comentar. Eu diria que o negativo da obra de Kafka faz eco na obra de Beckett, que recorre a uma poesia áspera (e o naturalismo de Joyce foi capital para desenvolver esse jeito rude de escrever, com uma diferença: Beckett não recorre às epifanias verbais de Joyce). Ele foi brilhante em sua monografia sobre Marcel proust, ao ver na Busca do Tempo Perdido os limites da arte ficcional. Há um emaranhado entre Proust, Kafka e Joyce, nas obras de Beckett. Suas personagens estão num limbo temporal, como os personagens de Kafka, e lembram para a frente como o narrador proustiano.

Ninguém, nem mesmo os imitadores que povoam o inferno dos bem-intencionados, superam o exercício de prosa poética de Beckett, no limite entre silêncio e palavra, em seu pleno reconhecimento do descrédito da linguagem. Beckett é um poeta que lendo Proust, Kafka e Joyce, fez um emparelhamento destes em suas próprias obras, soando totalmente original. Para se distanciar do estilo de Joyce, por exemplo, ele passaria a escrever em francês.

Mas Beckett não é figurinha fácil. Modernista por excelência, criou um caminho absolutamente único na literatura pelo qual não dá para seguir adiante sem se perder na ilegibilidade.

P.S.: Temos, no Brasil, um escritor também genial que ombreia com ele, ao se enveredar por uma via pessoal, solipsista, negativa e ambígua pelo âmbito da linguagem, e é Clarice Lispector.

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