terça-feira, 13 de abril de 2010

Teatralidades


Existem peças que são verdadeiras peça-para-cair-fora! Mas a montagem de "Pai e Filho", inspirada na "Carta ao pai", de Kafka, pelo Pequeno Grupo de Teatro, aqui do Maranhão, ao contrário, mantém você preso à cadeira, atento a palavras, sons e aos menores gestos.

É sempre bom destacar quem tem feito algo por aqui, levando em conta nossas iniciativas "culturais" sorumbáticas. A adaptação de um Kafka monologal de uma carta jamais enviada ao seu pai que, encenada, ganhou a forma de diálogo (arrasador) entre pai e filho, ficou a cargo do sempre produtivo Marcelo Flecha.

O resultado é brilhante: falas cortantes e contraditórias, que se anulam e desarmam umas às outras criando uma situação inescapavelmente conflitante num espaço de confinamento sepulcral. É preciso prestar atenção ao jogo cênico entre os atores, que estão perpetuamente labutando dentro de casa, o que faz pensar na obrigação moral do trabalho como parte da mentalidade burguesa. A casa dos dois é escura e triangular, a porta se transforma em mesa e escada, os livros e as roupas são costuradas pelos atores. O que se vê e ouve é um rompante desafiador (entre os atores Cláudio Marconcine e Jorge Choairy) como aquele estabelecido entre os mendigos de Beckett (autor altamente influenciado por Kafka), e fica estabelecido um jogo de gato e rato - negativo, sinistro, e terrivelmente irônico: ou seja, o universo de Kafka traduzido e revivido com direito a alusões a outras de suas obras, como A Metamorfose ou O Julgamento. Na peça, o filho é como um inseto prestes a ser esmagado pela presença atemorizante do pai. Mas cabe a ele desfiar a voz desafiadora (do escritor), embora essa voz apenas ressalte a própria derrota, a impotência e o fracasso.

Esta é - inegavelmente - a melhor peça de Flecha até aqui, a mais madura, e com uma característica impactante: a precisão. Não há improvisos, palavras deslocadas ou gestos gratuitos em cena - coisa que já vi em tantas outras montagens pra lá de amadorísticas por nossas terrinhas.

O espetáculo tem uma espécie de formato pocket: junta o público e a dupla de atores no mesmo palco. Foi a primeira vez que subi ao palco do Teatro Arthur Azevedo, embora a platéia elevada ao palco não interaja com o que veja (apesar da mania boba de alguns de fotografar os atores com seus celulares)! Uma sensação de claustrofobia e perigosa proximidade toma conta da plateia silenciosa. Há momentos de tanto silêncio tenso que tive a sensação de que se caísse um alfinete no chão este seria ouvido por todos.

E pra terminar, acho muito importante ressaltar: não presenciei bocejos nem ouvi reclamações do público ao fim da apresentação. Todos aplaudiram de pé. Este foi um grande milagre do Pequeno Grupo de Teatro.

2 comentários:

  1. é estranho, sempre, perceber a presença do público. a visão do ator é diferente, sobremodo, como se fosse outro espetáculo a ser representado. o mesmo ocorre com a visão do encenador. a soma dessas leitoras é enriquecedora. gostei da sua escritura. pertinente ela...

    ResponderExcluir
  2. Creio que a força do espetáculo que vocês encenaram foi a fonte geradora dessas impressões tão diferentes, desse olhar tão outro, mas tão encantado com o que viu. Apareça sempre aqui. :)

    ResponderExcluir